Querida avó,
Enquanto te escrevo a carta de hoje, folheio o livro Ruralidades do fotógrafo Jorge Bacelar. Não sei se conheces o trabalho deste fotógrafo. Se não conheces, devias conhecer!
Para além de fotógrafo, o Jorge é também veterinário. As fotos de gentes do campo parecem pinturas, daí que seja considerado o principal retratista da ruralidade portuguesa.
Na semana passada celebrou-se o São Martinho. Veremos se o Santo nos volta a trazer o verão ao outono enquanto comemos castanhas.
Este livro e esta época do ano fazem-me viajar até às minhas memórias de infância. Passados 40 anos, ainda consigo sentir o cheiro da terra molhada junto da casa dos meus avós maternos. Para além doutras alturas do ano, início de novembro era altura de ‘ir à terra’. Enquanto os adultos provavam o vinho e outras iguarias, nós corríamos pelo campo. Ainda consigo ouvir o som das folhas secas debaixo das nossas botas.
Ainda recentemente vi um quadro de José Malhoa no Museu das Caldas da Rainha chamado Festejando São Martinho ou Os Bêbados. Que não deixa de ser uma bela ilustração desta época do ano.
Por falar em Ruralidades, o livro foi publicado pela editora Centro Atlântico que, para o bem de todos nós, contribui para que as memórias de Portugal não sejam esquecidas.
O Jorge Bacelar acabou de publicar um novo livro que vem no seguimento do anterior, a que deu o título de A Nossa Gente.
Vou já coloca-lo na minha lista de presentes de Natal. Pode ser que exista uma avó caridosa que se lembre de o oferecer a este neto que tanto a ama.
Tu, que apesar de seres menina da cidade, também tens ligações ao campo, e até és produtora de vinho (aguardo por um caixa para degustação) fala-me das tuas ‘ruralidades’.
Agora, se não te importas, vou comprar umas castanhas assadas.
Que saudades do tempo em que elas eram vendidas em cartuchos das páginas amarelas.
Bjs
Querido neto,
Antes de mais, não conheço esse fotógrafo. Sou da velha guarda, do tempo do Eduardo Gageiro (tenho grandes fotografias dele que ele me ofereceu), do Augusto Cabrita, do Artur Pastor, do Jorge Barros, do Luis Vasconcelos.
Mas vou tentar ver o livro de que falas.
Mas pelo meio do teu texto ainda me ri – embora tu não tivesses nada a ver com isso. Foi quando falaste no ‘ir à terra’…Lembrei-me logo da minha tia Aurora (magnífica nos seus 96 anos) que, na altura do verão, arruma a casa, faz a mala, tranca as portas, dá férias à empregada e, quando sai, avisa os vizinhos: «vou à terra». Despedem-se – e ela atravessa a rua e vai para casa da irmã, que mora na rua em frente.
Cada um tem o conceito de férias que entende.
Eu sempre fui pessoa de cidade. Preciso de cafés logo à minha porta, de lojas por perto, do barulho das ruas (só tenho insónias quando há silêncio lá fora), dos vizinhos do prédio. E é exatamente por isso que eu gosto da Ericeira: é uma cidade em miniatura. Encontro aqui tudo aquilo de que gosto nas cidades, incluindo o barulho… Com a vantagem de ter o mar em frente.
Mas de vez em quando lá dou um salto à Lourinhã, onde o meu irmão vive, na quinta onde se produz o vinho de que falas e onde vou estar daqui a dias para participar na ‘adiafa’, coisa de que nunca deves ter ouvido falar… Trata-se de um almoço que é oferecido, no final das vindimas, a todos os que nelas participaram.
E claro que ainda tenho a aldeia de Lapas (onde já foste) donde é natural toda a família do lado da minha mãe e onde, em miúda, eu ia muito. É atravessada pelo rio Almonda e, aldeia que tem um rio é sempre bonita. Para lá do rio tem umas grutas belíssimas, que só se podem visitar acompanhados de alguém qualificado para isso, para não nos perdermos lá por baixo. Lembro-me de lá ter ido uma vez, em miúda – e sempre encolhida de medo.
E pronto, aí tens a ruralidade de uma citadina…
Bjs