Ouve-se muitas vezes que «as casas contam histórias». É uma ideia poética e metafórica que nos transporta para um universo imaginário. Entramos pela porta, observamos os espaços, os objetos e, através dessa observação, criamos narrativas. Numa casa comum, da qual nada sabemos, talvez imaginemos quem lá morou, o que fazia e o que lá viveu. Sem pistas, a página começa em branco e somos nós próprios que a escrevemos. Mas, e nos casos onde as casas são palácios com décadas de histórias contadas e vividas? E quando essas histórias «valem milhões de euros»?
De 400 contos a 25 milhões de euros
Viajemos até à freguesia de Pinheiros, na vila e município de Monção, distrito de Viana do Castelo… A seis quilómetros a sul de Monção, inscreve-se o Palácio da Brejoeira, uma vasta propriedade rural, dividida entre 17 hectares de vinha, três jardins e um vasto bosque. Quando foi construído, no início do século XIX, a mando do cavaleiro da Ordem de Cristo, Luís Pereira Velho de Moscoso, e com autorização do Rei D. João VI, o sumptuoso palácio que se constitui num expoente das moradias fidalgas no país custou, pela moeda antiga, «400 contos», estando atualmente à venda por 25 milhões de euros.
Emílio Magalhães, acionista maioritário da sociedade proprietária do palácio atualmente, deseja que o património possa ser vendido a alguém que «dê continuidade à sua história, seguindo um caminho de evolução. Era possível hoje em dia, em que sabemos que as coisas são diferentes, fazer um hotel de charme, por exemplo», afirmou. Magalhães sublinha ainda que, «com uma história e beleza únicas, a propriedade tem de ir parar às mãos certas», revelando que «tem havido muita procura, muitos interesses», contudo, «o palácio não está em situação de especulação». «Já descartámos propostas. A aquisição tem de ser por pessoas que se apaixonem por este património», frisou Emílio Magalhães, recordando que a anterior proprietária foi «muito assediada para vender o palácio, até por grandes grupos, Amorim, Sonae, pelo dono da Zara e pelo comendador Berardo», mas nunca a chegou a vender. «Dizia que não era altura, mas dois anos antes de morrer, começou a pedir que o vendesse para eu não passar o que ela passou. O palácio é uma prisão. Só pensamos nisto», lembrou.
O passado do Palácio
Entende-se por Brejo um terreno constituído por matagal, ou terras pantanosas e, por isso, tal como se lê na história contada no site oficial do edifício, «acredita-se que parte da propriedade da Brejoeira fosse formada por terras alagadiças e o povo, que tendia em facilitar os nomes das coisas, acabou por chamar de Brejoeira à antiga Quinta do Vale da Rosa». Esta acolheu reis, membros do clero, e figuras da nobreza e foi até palco de alguns encontros de ditadores, como foi o caso de Franco e Salazar.
Edifício de estilo Neoclássico, ainda com influência barroca, embora a maioria dos dados da época afirmem que a construção do palácio terá tido início em 1806, como é o caso do livro ‘Minho Pitoresco’ de José Augusto Vieira, os registos de 1850 do padre Câmara apontam que a sua construção terá sido iniciada um ano mais cedo e concluída em 1834 (apesar dos relatos do término também serem inconclusivos).
O Palácio da Brejoeira foi construído em granito, em forma de L. As suas quatro fachadas são limitadas por três torreões que acrescentam uma presença distintiva e que recordam o Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. No exterior coexistiam espaços verdes e a agricultura, «aproveitando a abundância de água e a fertilidade do terreno». Possui teatro, capela, jardim de inverno, junto à entrada, imponentes quartos e salões do Rei (de jantar e de fumar e tomar chá), e uma biblioteca. Os seus candelabros, tapeçarias, pratas e loiças, mobiliário e azulejos, são luxuosos. «Este palácio é um conto de fadas», defende o proprietário.
Tal como as datas de construção, a autoria do projeto também é marcada por dúvidas. Segundo o site do palácio, deduz-se que este será da autoria de Carlos Amarante, no entanto as semelhanças com o Palácio da Ajuda, sugerem a existência de influência de arquitetos de Lisboa. «Com certeza sabemos que a construção terá sido entregue ao mestre Domingos Pereira, natural da freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira, e as pinturas dos salões entregues ao mestre Clemente, de Valença, e ao seu colaborador Julian Martinez. Contudo, foi Simão Pereira Velho de Moscoso, de quem pouco se sabe, quem terminou a obra de seu pai», lê-se na descrição. Dele apenas se diz «que era um homem dado a serões festivos. Raro era o dia em que não havia hóspedes na Brejoeira».
A ocupação
Quando Simão Moscovo faleceu, em 1881, o Palácio foi herdado pelas famílias Caldas e Palmeirim de Lisboa, tendo sido colocado à venda, em hasta pública, 20 anos depois, sendo adquirido pelo conselheiro Pedro Maria da Fonseca Araújo, importante comerciante do Porto, presidente da Associação de Comércio do Porto e conselheiro do Rei D. Manuel II. Em 1937 o Palácio foi mais uma vez vendido, sendo adquirido pelo comendador Francisco de Oliveira Paes para o oferecer a sua filha Maria Hermínia Silva d’Oliveira Paes, quando esta adquiriu a maioridade. Foi esta quem reestruturou a propriedade e procedeu à plantação e comercialização do prestigiado vinho da casta Alvarinho, engarrafado na origem. A ex-proprietária residiu na propriedade até à data do seu falecimento, que ocorreu a 30 de dezembro de 2015.
Quinta do Crasto
Situada na margem direita do Douro, em Gouvinhas, concelho de Sabrosa, a Quinta do Crasto é uma das principais produtoras e marcas de vinhos portugueses e também foi notícia por, supostamente, estar à venda. Desde 1981 a propriedade é controlada por Jorge Roquette e a sua mulher Leonor, neta de Constantino Almeida, o célebre criador do brandy Constantino e há já algum tempo que circulam rumores sobre a venda da duriense quinta a compradores estrangeiros.
Segundo o jornalista e produtor de vinhos Pedro Garcias, entre vinho DOC Douro e Porto, «a empresa engarrafa cerca de 1,5 milhões de garrafas (também produz anualmente cerca de 65 mil garrafas de azeite virgem extra) e tem em cave perto de 3.500 barricas», escreveu num artigo publicado do Fugas, onde afirma acreditar que estes números «ajudam a explicar o apetite de investidores estrangeiros». Atualmente, a quinta possui um total de 136 hectares, dos quais 74 são de vinha, contando ainda com a produção da Quinta da Cabreira, no Douro Superior, com 114 hectares de vinha.
Na última semana, foi noticiado que um fundo brasileiro deverá ter colocado uma proposta em cima da mesa pela propriedade vinícola por um valor superior a 100 milhões de euros. Porém, ao que o Nascer do SOL conseguiu apurar, a Quinta vai continuar propriedade da família Roquette, que «não tem qualquer interesse numa eventual transmissão».
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