“Tudo o que faço é para a versão de mim mesmo com 17 anos”, dizia muitas vezes Vigil Abloh, que acreditava profundamente no poder da arte para inspirar as gerações futuras. O revolucionário designer, considerado o rei do streetwear de luxo, designer “estrela” da LVMH e a figura negra de maior destaque na moda de luxo, morreu no passado domingo, aos 41 anos, após lutar contra um cancro “raro e agressivo” durante dois anos.
A notícia da sua morte foi avançada pelo grupo LVMH, que detém a Louis Vuitton, numa publicação do Instagram. O também dono da marca de moda Off White sofria de um angiossarcoma cardíaco, que lhe foi diagnosticado em 2019: “Estamos devastados por anunciar a morte do nosso querido Virgil Abloh, um pai, marido, filho, irmão e amigo devoto”, lê-se na mensagem, que foi também publicada na conta do designer que tinha dois filhos, Grey e Lowe Abloh, com Shannon Abloh, com quem mantinha uma relação desde 2009.
“Ele optou por suportar a sua batalha em privado desde o seu diagnóstico em 2019, passando por inúmeros tratamentos desafiantes, tudo isto enquanto dirigia várias instituições importantes que abrangem a moda, a arte e a cultura”, refere o mesmo texto. “Enquanto passou por tudo isto, a sua ética de trabalho, curiosidade infinita, e otimismo nunca vacilaram. Virgil foi impulsionado pela dedicação ao seu ofício e à sua missão de abrir portas aos outros e criar caminhos para uma maior igualdade na arte e no design”.
Também o presidente do grupo LVMH, Bernard Arnault, foi um dos primeiros a anunciar publicamente o seu pesar: “Estamos chocados com esta notícia. O Virgil não era apenas um génio e visionário, era também um homem com uma alma bela e uma grande sabedoria. A família LVMH junta-se a mim neste momento de grande tristeza”, escreveu na sua conta de Instagram.
Da arquitetura à moda O primeiro grande criador negro, comprometido com “a afirmação das culturas afro-americanas”, era filho de imigrantes do Gana, cresceu em Chicago, nos EUA, e antes de chegar à moda formou-se em engenharia civil e arquitetura.
Depois de se formar, foi estagiário na Fendi, casa de moda italiana fundada em 1925, na mesma equipa em que estava o rapper Kanye West, amigo que o catapultou para o estrelato. No escritório da empresa, em Roma, ambos começaram uma relação de colaboração. Um ano depois, Kanye nomeou Virgil o diretor criativo da sua agência de publicidade, DONDA e, dois anos mais tarde, pediu-lhe que fosse diretor artístico de Watch the Throne, o álbum colaborativo da dupla com Jay-Z.
Em 2012, Abloh conseguiu criar a sua primeira empresa, Pyrex Vision, uma pequena loja de streetwear de alta-costura. O seu segredo era: adquirir diversas roupas vintage e não comercializadas da Ralph Lauren por quarenta dólares, e imprimir desenhos sobre elas, vendendo-as por preços superiores a 550 dólares. Contudo, o negócio não durou muito tempo – mais do que uma empresa comercial, Abloh pretendia que esta fosse uma experiência artística.
Em nome próprio Um ano depois, Virgil Abloh já havia fundado a sua primeira casa de moda, com a marca de streetwear Off-White. Com sede na capital da moda, Milão, a empresa foi descrita por Abloh para os investidores e críticos de moda como “a área cinza entre o preto e o branco como a cor off-white”.
Colaborando com todos, da Nike à Ikea, Perrier e Mercedes-Benz, o designer levou a moda a arenas onde ela nunca tinha ido antes, fazendo a polinização cruzada com outras áreas, apesar dos puristas da moda não apreciarem.
Em 2017, foi convidado para projetar uma nova coleção em conjunto com a Nike, intitulada “The Ten”, onde recriou uma variedade dos dez ténis mais vendidos da empresa, como o Air Presto, Air Vapormax e o Blazer, com suas características únicas de estilo. Nessa mesma altura, também lançou, em parceria com a empresa sueca de móveis IKEA uma linha de móveis e objetos de decoração para apartamentos e casas. A coleção, intitulada “Markerad”, em português “claro” ou “nítido”, foi lançada em 2019. Nesse ano, o artista dizia ao Observer que quando estava a desfilar na semana da moda, as pessoas lhe diziam que o que ele fazia “não era moda”.
A polivalência Mas não foi preciso muito até que tenha provado o contrário: em 2018, Virgil fez história ao ser nomeado chefe de design de roupas masculinas da marca, o primeiro estilista negro a ter este papel dentro da maison francesa e no conglomerado LVMH.
A marca elevou-o em parte para ajudar a empresa a manter o alcance de um conjunto mais jovem e diversificado de consumidores. O designer destacava-se por deter mais de 6 milhões de seguidores no Instagram, onde as suas publicações refletiam as suas inspirações diárias, bem como as suas últimas criações, colaborações e viagens.
Após aceitar o cargo, admitia: “É uma honra para mim aceitar essa posição. Acho que a herança e a integridade criativa da casa são as principais inspirações e procuraremos referenciá-las enquanto traçamos paralelos com os tempos modernos”. E, por isso, a sua influência foi além da moda. Desenhou não só a capa do álbum de Kanye West, como colaborou com artistas como o rapper Drake, Pop Smoke, Westside Gunn, Octavian e Lil Uzi Vert. West referia-se muitas vezes ao seu colega e amigo como um “arquiteto de verdade”. “Eu tenho todas essas ideias e Virgil é capaz de arquitetá-las porque ele é um arquiteto de verdade”, declarava.
Abloh mostrou a sua primeira coleção para a Louis Vuitton em 2018 na Men’s Fashion Week, no jardim do Palais Royal em Paris. A cantora Rihanna foi a primeira pessoa a usar uma criação sua antes do desfile. A convite seu, rappers como Playboi Carti, Steve Lacy, A$AP Nast, Dev Hynes, e Kid Cudi desfilaram para a Louis Vuitton. No final, quando Virgil e Kanye West choraram ao abraçar-se.
No desporto, os designs de Abloh eram mais visíveis na NBA, graças a uma campanha da Louis Vuitton com a liga e nas colaborações Off White x Nike usadas por estrelas como Russell Westbrook, Draymond Green e Jordan Clarkson. Abloh também trabalhou com a Nike para projetar uma chuteira para a estrela do Paris St-Germain, Kylian Mbappé.
Em 2011, o seu trabalho para a concepção da capa para o álbum Watch the Throne, de Kanye West e Jay-Z, foi nomeado para um Prémio Grammy de melhor aparência visual. O artista recebeu o prémio Urban Luxe do British Fashion Council, em 2017 e, no ano seguinte, foi listado na Time Magazine como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo – um dos dois designers nomeados naquele ano.
Os motivos do sucesso “A sua abordagem expansiva ao design inspirou comparações com artistas como Andy Warhol e Jeff Koons. Para ele, “as roupas eram símbolos de identidade”, escreveu Vanessa Friedman, diretora de moda e crítica-chefe de moda do The New York Times. “Abloh transformou não só o que os consumidores queriam vestir, fazendo a ponte entre o vestuário de rua e o mundo do luxo, mas também o que as marcas queriam num designer”, acrescentou.
Em comunicado, Ralph Toledano, presidente da Federação Francesa de Alta Costura e Moda, elogiou Abloh pela “sua disposição em quebrar barreiras”. Por sua vez, a Gucci afirmou que o Abloh foi uma “inspiração para todos nós”. O editor da Vogue britânica, Edward Enninful, foi ainda mais longe, chamando-lhe “um gigante entre os homens”: “Virgil Abloh mudou a indústria da moda. Famosamente prolífico, sempre trabalhou por uma causa maior do que sua ilustre carreira: abrir a porta para a arte e a moda para as gerações futuras, para que elas – ao contrário dele – crescessem num mundo criativo com pessoas para se espelharem”.
Uma homenagem ao designer será realizada em Miami, na terça-feira, num desfile planeado pela Louis Vuitton.