A sociedade funciona, ironicamente, à base de confiança. Sem ela, a rede de estruturas intangíveis desmorona, a vida como nós conhecemos colapsa, e instala-se a anarquia.
Na opinião de Harari, com a qual concordo profundamente, existe (para além de outros fatores) um aspeto que distingue fundamentalmente a espécie humana de todas as demais, e que foi determinante na evolução e domínio sobre as restantes espécies: a capacidade para conceber o intangível, e agir em concordância. Quero com isto dizer que qualquer indivíduo saudável é capaz de entender os conceitos de economia, política, lei, entre tantos outros. Consequentemente, é por esse motivo que conseguimos navegar o quotidiano de acordo com essas mesmas estruturas. É como se existissem caminhos invisíveis que toda a gente segue, sem que nada os impeça necessariamente de agir de outra forma.
Julgo que, caso fossemos dizimados de superfície da terra e uma espécie alienígena visitasse o planeta, não seria possível encontrarem ‘economias’ ou ‘leis’ Ou seja, as estruturas intangíveis de que falo só existem enquanto nós existirmos. Para além disso, essas só se mantêm funcionais enquanto existir confiança nas mesmas: acreditamos diariamente que pedaços de papel e metal têm um valor fixo que nos permite trocar por bens essenciais, agimos corretamente com os nossos pares porque acreditamos que quem não for correto terá penalizações de acordo com uma série de calhamaços escritos, entre muitos outros exemplos.
Na ausência de confiança e crença no padrão base da forma como se rege o dia do leitor, voltamos aos tempos de troca comercial direta, da proteção pela violência, da gestão pela anarquia, e mais difícil é viver.
Sou da opinião de que existe uma linha comum em tudo isto: consistência e reciprocidade. É verdade que um pedaço de papel com o número cinco vale cinco euros na proporção em que efetivamente a troca de valor esperada se verificou, seja do leitor para qualquer outra parte ou vice-versa.
Ainda que com graus de relevo distintos, não consigo deixar de sublinhar a importância de transpor tais conclusões para aspetos mais simples, como as relações de confiança interpessoais ou o trabalho. O leitor confia em alguém que num dia é simpático e no seguinte é antipático com frequência!? Ou sente-se confortável a trabalhar se o seu salário é pago num dia aleatório todos os meses!?
Não acredito que faça sentido partirmos do princípio de que um qualquer indivíduo não diz a verdade ou não é consistente, porque tal resultaria numa vivência medrosa, que em nada nos beneficia. As perdas interpessoais por alguém inconsistente são, na sua maioria, inferiores aos ganhos resultantes de confiança.
Dar e receber consistentemente, com incrementos à medida que se desenvolve a relação, é a melhor forma de tirar proveito do que viver em sociedade tem para oferecer. Importa mais que a atitude seja recíproca do que a iniciativa seja tomada. Seja consistente.