Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra (UC) investigou e revelou como a doença de Parkinson – que, segundo dados de 2019, afeta aproximadamente 18 mil portugueses – pode ser desencadeada no intestino e daí progredir para o cérebro. Estes resultados foram publicados na Gut, revista internacional de referência na área da gastroenterologia.
Em comunicado enviado ontem aos órgãos de informação, a UC esclareceu que os mesmos “representam mais uma peça fundamental do complexo ‘puzzle’ daquela que é a segunda doença neurodegenerativa mais frequente no mundo e com tendência para aumentar nas próximas décadas”, explicando que o estudo foi desenvolvido durante os últimos cinco anos no Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC-UC), tendo sido financiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) em mais de meio milhão de euros.
“A equipa, liderada por Sandra Morais Cardoso, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), e por Nuno Empadinhas, investigador do CNC-UC, estudou, em ratinhos, os efeitos da ingestão crónica de BMAA, uma toxina produzida por cianobactérias e outros micróbios, e que se pode acumular, por exemplo, em alguns animais aquáticos como bivalves, mariscos e peixes”, lê-se. Com base em investigações anteriores, “que apontam para a existência de vários ‘tipos’ de doença de Parkinson”, os cientistas da UC demonstraram que a ingestão crónica desta toxina microbiana ambiental elimina grupos muito específicos de bactérias que protegem a mucosa intestinal e que regulam a imunidade ao nível dessa barreira essencial. Por este motivo, “inicia-se uma cadeia de eventos que se propaga até uma região específica do cérebro, danificando sobretudo as mitocôndrias, organelos que, entre outras funções, atuam como fábricas de energia das células”.
Considerando que o diagnóstico clínico da doença de Parkinson somente ocorre quando surgem os primeiros sintomas motores – tremores, rigidez muscular e movimentos lentos –, entendeu-se que a patologia pode, em determinados casos, ter surgido no intestino muitos anos antes. Sandra Morais Cardoso e Nuno Empadinhas deixaram claro que estes dados “não representam uma cura, mas reforçam a possibilidade de haver casos de Parkinson que surgem primeiro no intestino. Por outro lado, confirmam que um metabolito produzido por certas bactérias pode, inadvertidamente, desencadear processos neurodegenerativos específicos desta doença”.