Por Sofia Aureliano
1. Militantes e eleitores. Bem sei que muitos comentadores já se socorreram das diretas do PSD – primeiro, da sua realização, depois, do resultado – para vaticinar um mau resultado nas urnas. Falam de um partido dividido ao meio e incapaz de apresentar uma alternativa de governo. Mas quem assina tal presságio, ou o faz por má fé ou não conhece o partido. Nem a sua história. O PSD viveu um momento saudável de disputa interna, amplamente participado, que veio demonstrar o vigor do partido e o respeito pelo processo democrático.
Senão veja-se: achariam mais saudável que qualquer candidato à liderança do PSD vencesse com o dobro dos votos do adversário? Ou que uma só visão fosse a seleção natural de todos os militantes? A quem serviria essa homogeneidade? O PSD não é o Chega nem o Bloco. E não ambiciona ser. É, por isso, muito mais inspirador que o partido continue a ter vários aspirantes à liderança, de qualidade e com propostas realistas para o futuro do país. Quantos mais exemplos de talento, espírito de missão e ambição, melhor. Só revela que este é um partido vivo, plural e diferente dos demais. E cuja saúde se recomenda. Bom seria que os portugueses participassem nos atos eleitorais como os militantes do PSD participaram.
Disputadas as internas e definido o presidente do PSD, os militantes vão unir-se em redor do líder contra o inimigo comum e com o propósito único de ganhar o país. Que não haja dúvidas. E se alguém as tem, que atente nos discursos da noite eleitoral. O espírito é de ânimo renovado. A galvanização é evidente. Nem podia ser de outra maneira.
Ao contrário do que já ouvi dizer, não me parece que a vitória de Rui Rio seja o melhor resultado para António Costa. O próprio líder socialista, sagaz como é, terá certamente a consciência de que, neste momento, a maioria dos portugueses não considera que a sua reeleição serão favas contadas.
Com o processo interno do único partido que pode representar uma alternativa de poder, foi aberta a janela da possibilidade. Encontra-se, agora, escancarada. E nem a pandemia e o consequente (e hipotético) impedimento de uma campanha física fará diminuir o élan.
2. Noção de tempo. Em política, dois meses é muito tempo. Muita coisa pode acontecer. E, no dia-a-dia dos portugueses, essa também é uma realidade nos tempos que correm. Fruto da incerteza que a pandemia nos obriga a viver, aprendemos a gerir a vida a prazo. Fazemos programas a dois meses e já nos sentimos no limbo. A nossa vida está, hoje, pesadamente carregada de “ses”. E não é nada que possamos evitar ou, sequer, controlar. Por isso, valorizamos muito as certezas e quem nos transmite segurança. Este é um trunfo que Rui Rio apresenta. É assertivo e consistente. Mesmo quando diz coisas que não queremos ouvir.
Já António Costa é inseguro. E calculista na gestão das medidas de combate à pandemia. Para além de teimar em não aprender com os erros. Mesmo quando custam vidas.
Recordam-se que, por esta altura, no ano passado, contra todos os conselhos da comunidade científica e apelos insistentes do PSD, o governo decidiu protelar a tomada de decisões, não encerrar as escolas e permitir os ajuntamentos da quadra? Os números avisavam que o pior estava para vir, mas o governo fez ouvidos moucos. Porque era preciso “Salvar o Natal”. Mesmo que isso implicasse bater recordes de mortalidade em janeiro de 2021. Como, infelizmente, se verificou.
Este ano, parece que estamos a ir por um caminho semelhante. E com a mesma cadência lenta e periclitante da decisão. Dá-se o alerta de que os números estão a subir e que será preciso fazer alguma coisa. Uma semana depois reúnem-se os especialistas para sustentar cientificamente uma posição do Governo. Entretanto, o executivo espera mais seis dias para anunciar medidas que só entrarão em vigor na semana seguinte. Ou seja, hoje, dia 1. Entre o alerta e a efetividade das primeiras medidas de maior restrição vão mais de quinze dias. Porquê tanto tempo de espera?
A nova variante do vírus já entrou em Portugal, embora pouco se saiba ainda sobre a sua transmissibilidade e sintomatologia. Dará, ao que os primeiros estudos indicam, sintomas mais leves, provavelmente é menos letal para as populações de risco, mas é muito contagiosa e altamente mutável. Diz a OMS que é urgente agir para conter a propagação. Mas, ao que parece, urgência não é o mote deste governo. Tampouco o é a prevenção.
Não faria mais sentido encerrar os bares e discotecas em dezembro, em vez de permitir a propagação e encerrar o país em janeiro? Bem sei que este setor tem sido amplamente prejudicado, mas nada garante que o tempo de encerramento, com a opção escolhida, seja mais reduzido. Se os números dispararem (como é previsível que aconteça), o período de contenção não se ficará pelos dez dias. O problema é que, nessa altura, o mal já estará feito. Os contágios já se deram, as hospitalizações irão aumentar, a pressão sobre o SNS disparará e nada terá sido feito para reduzir os gráficos. Depois de tantos meses de sacrifícios, não será mais importante “Salvar a Saúde” em vez do Natal?
3. Voltamos à problemática da participação. Após as eleições autárquicas e, perante a retumbante vitória da abstenção, falou-se momentaneamente da necessidade de refletir sobre a baixa participação cívica dos portugueses. Como se fala sempre após um ato eleitoral, mas tende-se a deixar cair o tema quando se torna oportuno falar sobre ele.
Estamos novamente na véspera de eleições, o que faz com que, mais uma vez, não seja conveniente falar de necessidade de incentivos ao voto, à participação eleitoral e dos benefícios de uma hipotética – e já amplamente estudada – reforma do sistema eleitoral. Do ponto de vista legislativo, nada se pode fazer. Do ponto de vista da opinião, é crucial que se faça alguma coisa.
Quem deve lançar o tema? Em boa verdade, a sociedade civil devia ser a mais interessada em participar na definição das políticas públicas e na escolha dos protagonistas que as implementarão. À semelhança do que acontece noutros países, a sociedade civil pode e deve ser a grande fomentadora de uma democracia representativa e participada.
Um bom exemplo de um contributo para aumentar os níveis de participação é o projeto democraciadigital.pt, agora na forja, que tem a louvável ambição de ser uma plataforma agregadora, onde todos terão uma voz e poderão debater sobre iniciativas legislativas, escrutinar a ação dos diferentes players políticos e instituições, lançar petições, propostas de ação ou acompanhar o desenvolvimento das políticas públicas em cada matéria. Este projeto, de autoria de Luís Vidigal, está já a ser desenvolvido pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação e espero que venha a ser materializado a curto prazo – e aqui registo a minha ausência de neutralidade, como membro da direção desta associação. Não invalida, contudo, que não assinale o grande mérito desta plataforma, as suas boas intenções e, acima de tudo, a sua premência. Deixo o convite para visitarem a plataforma e deixarem as vossas sugestões para a melhorar e desenvolver.
Portugal tem um problema crónico e não serve de nada dizer que este é um tema transversal a todas as democracias. Entre os países da OCDE, a participação eleitoral média é de 68%. Há discrepâncias de género e de rendimento que se assemelham à tendência portuguesa – mulheres e pessoas com menos rendimento votam menos – mas, no geral, temos números de abstenção exponencialmente mais elevados.
Dizia Lincoln que “um boletim de voto tem mais força que um tiro de espingarda”.
Porque não carregamos as armas?