Quando a exposição Around the World inaugurou na galeria Cristina Guerra, em Lisboa, no dia 14 de setembro deste ano, Lawrence Weiner não esteve presente. O seu estado de saúde era já então muito frágil. Esta quinta-feira, antes mesmo dos meios de comunicação norte-americanos, a galeria lisboeta anunciava a morte do lendário artista conceptual, em Nova Iorque. A causa de morte não foi revelada, mas o artista sofria de um cancro que o vinha debilitando e o obrigara nestes últimos anos a deslocar-se numa cadeira de rodas.
Considerado um dos fundadores, ou mesmo o ‘padrinho’, da arte conceptual – movimento artístico que abriu mão do formalismo e dos objetos para se concentrar em ideias e conceitos, era atualmente já uma figura lendária. E as suas obras, que influenciaram gerações de artistas, são inconfundíveis.
«A única arte na qual estou interessado é a arte que não entendo imediatamente. Se a entendermos imediatamente, isso significa que realmente não tem interesse, exceto como nostalgia», dizia Weiner, que fez da palavra a substância da sua obra.
Em 1968, apresentou uma declaração de intenções, princípios pelos quais viria a pautar a sua obra. Segundo o seu credo, antes de mais nada, a arte é sobre o pensamento e só então sobre a execução. Esta convicção assumiu, durante anos, a forma de grandes instalações de parede, com diferentes caracteres estampados.
Mas a verdadeira natureza da sua obra era camaleónica:havia quem comprasse uma obra sua e a mandasse pintá-la numa parede. Mas as palavras, sempre escritas em maiúsculas e com o seu lettering inconfundível, também podiam ser passadas para um cartaz, um cartão de visita, estampadas numa t-shirt ou até tatuadas na pele.
Em entrevista à francesa Crash, contou como chegou a este modelo:«Eu fazia estas pinturas que tinham bastante sucesso em Nova Iorque e no Canadá. Mas não passava disso, não podia ir mais além. Queria incorporar cada vez mais do mundo real e a linguagem permitia isso».
Da filosofia à arte
Lawrence Weiner nasceu a 10 de Fevereiro de 1942, no bairro do Bronx, em Nova Iorque, filho do dono de uma loja de doces. Depois de terminar a escola secundária, matriculou-se em Filosofia e Literatura no Hunter College, mas saiu ao fim de menos de um ano. Viajou pela América do Norte e teve uma variedade de empregos – o Museu Guggenheim menciona os de condutor de camiões, estivador e carregador – mas nunca abandonando a atividade artística. Nessa época realizou intervenções como Cratering Piece (1964), uma escultura resultante dos buracos deixados pela detonação de explosivos.
«Não vim de uma formação que me tenha dado alguma ideia sobre o que é a arte contemporânea, não era anti ou pro, não tinha nada a ver com isso! Lembro-me de algo que minha mãe disse quando eu tinha dezasseis anos… Estava de saída para a faculdade e disse-lhe que achava que ia ser artista e não professor de filosofia. Ela olhou para mim e disse: ‘Lawrence, tu vais ter um desgosto!’. E eu eu perguntei porquê… Ela sempre acreditou que a arte era uma profissão só para os ricos, mas para mim era outra coisa», contou o artista em entrevista.
O ponto de viragem aconteceu em 1968, quando Weiner trocou materiais como tela, têxteis, betão ou cimento, para conceber uma exposição ao ar livre, no Windham College, no Vermont. Juntamente com Joseph Kosuth, Robert Barry e Douglas Hueber, integrou o grupo apresentado nesse mesmo ano em Nova Iorque pelo galerista Seth Siegelaub, formando a primeira geração de artistas conceptuais, que demonstravam «grande capacidade de invenção e estratégias para minar os princípios mais estritos da arte moderna baseada na opticidade, concretude física e autonomia estética». Contudo, o próprio nunca se considerou um artista conceptual. «Esse epíteto não faz sentido para mim», costumava dizer. «Imagino que tenha sido criado por alguém que queria que essas obras se distanciassem de outros artistas, mas, por que não me chama escultor? Ou melhor, um escultor que trabalha com palavras?», interrogava.
O legado do artista
Cristina Guerra, que trabalhou com Weiner durante cerca de vinte anos, descreveu-o em 2017, em entrevista ao Sol, como alguém «brilhante» mas também capaz de se mostrar inflexível quando algo ou alguém não respeitava os seus princípios.
«Eu sou incondicional, adoro a obra do Lawrence. E se calhar é por isso que a consigo vender», explicava então a galerista lisboeta. «Um tipo que compra a obra do Lawrence tem de gostar mesmo, até porque depois para a revender tem algumas dificuldades. As pessoas mais novas percebem melhor, uma pessoa de 50 e tal anos, habituada a um objeto, tem alguma dificuldade em conseguir perceber».
Outro obstáculo à comercialização de uma obra do artista são os preços. Se por volta dos anos 2000 rondavam os 70 mil euros, mais recentemente atingiam os 350 mil euros, embora o comprador levasse para casa apenas um certificado de propriedade e um CD com o vetorial, ou seja, a matriz da obra. Depois cada um a concretiza onde, como e quantas vezes desejar.
Weiner foi distinguido por diversas instituições nos EUA e na Europa, destacando-se o National Endowment for the Arts, que recebeu por duas vezes, o doutoramento honoris causa da Universidade de Nova Iorque e o prémio alemão Wolfgang Hahn, do Museu Ludwig, de Colónia. Mas bastava olhar para ele, para a sua figura de longas barbas, como um velho marinheiro, para perceber que não atribuía grande importância a essas honrarias. «Sou um artista de estúdio e é aí que quero estar», garantia à Crash. «Quando posso, fico dias sem sair».