Ainda não foi desta. O Serviço Nacional de Saúde (SNS), de que toda a gente fala e que aguarda uma profunda reestruturação, continua a ‘marcar passo’ à espera de melhores dias, que ninguém sabe quando virão.
Ultimamente, a propósito do Orçamento do Estado que viria a ser rejeitado na Assembleia da República, o tema voltou à discussão. É curioso constatar que tanto o Governo como os partidos da oposição fizeram do SNS um ponto de honra nas suas intervenções. O primeiro com promessas e mais promessas, os outros com exigências atrás de exigências. Porém, como o diploma não passou no Parlamento, as promessas ficaram, mais uma vez, pelo caminho – e agora só nos resta esperar que o próximo Governo encare esta medida como essencial, prioritária e urgente, e o SNS arranque, finalmente, para a desejada reestruturação de que tanto necessita.
Sou um defensor nato do SNS. Por diversas vezes o demonstrei neste espaço, com artigos de opinião, que culminavam sempre no mesmo ponto crucial: a necessidade de ser urgentemente remodelado antes de se tornar insustentável. Até agora nada de muito significativo se viu – e lamentavelmente continuamos a assistir a este cenário desolador da debandada geral de profissionais, deixando o SNS a um passo do descalabro total.
As notícias que nos vão chegando dia após dia são a prova evidente de que se está a caminhar para a derrocada. Vejamos os acontecimentos nos hospitais de Braga, Setúbal e, mais recentemente, Santa Maria, em Lisboa, onde muitos médicos se viram na obrigação de cessar funções por reconhecerem, em consciência, não poderem prestar os cuidados de saúde aos seus doentes.
Veja-se o IPO a dizer publicamente que tem falta de pessoal; o setor da enfermagem, com carreiras congeladas há mais de dez anos, a suplicar ajuda e melhores condições para acudir aos doentes; os centros de saúde sem clínicos suficientes para os utentes inscritos, deixando milhares de portugueses sem médico de família; e, na área administrativa, o quadro de pessoal muito aquém do necessário, sobrecarregando os poucos funcionários em funções.
A tudo isto, acresce ainda o facto de os vencimentos serem francamente maus, nalguns casos mesmo ‘insultuosos’; de o serviço não ser em si nada gratificante, por se desviar constantemente da sua principal missão, que é cuidar dos doentes; e de muitos dos locais de trabalho serem desadequados, exigindo uma remodelação total. Não admira, pois, que a maioria dos profissionais do SNS esteja descontente e espreite uma oportunidade para mudar de vida.
É bom lembrar, no caso particular da Medicina Familiar, que algumas das vagas postas a concurso ficaram por preencher – o que, além de preocupante, deverá ser objeto de análise para se poderem tirar as devidas conclusões. Ainda há poucos dias uma doente, olhando para esta realidade, dizia-me com um certo humor: «Uma empregada de limpeza, se fizer o horário completo, em proporção quase ganha mais do que um médico!». Será isto justo?
É preciso pôr cobro a todos estes problemas. O SNS não é só de alguns, é de todos nós! Todos precisamos dele e por isso temos de o defender. Se quisermos travar a ruína para onde estamos a caminhar, há que lutar e cada um tem a sua missão a cumprir. Governo, profissionais e utentes do mesmo lado, a trabalhar para um objetivo comum.
O próximo Governo, se quiser salvar o SNS, tem de olhar às condições de trabalho dos profissionais, ao descongelamento das carreiras e ao pagamento justo dos salários. E mais: não pode ter medo de ferir suscetibilidades. Há muitos interesses instalados a viverem à sombra do SNS que não querem perder regalias nem direitos adquiridos. Numa reestruturação completa não pode haver lugar a enteados, quando todos somos filhos.
Que este compasso de espera seja um período de reflexão importante. Esperemos que os ventos de mudança comecem a soprar para nosso bem. Salvemos o Serviço Nacional de Saúde. Oxalá que, quando um dia lhe quisermos deitar a mão, não seja já tarde demais… Por enquanto, a solução ainda está do nosso lado. De que estamos à espera?