A responsabilidade política não é passageira

Quem não tem maturidade para exercer cargos políticos não pode exercê-los. Espero que esta noção não se perca entre os mandamentos dos boys do PS. Repescar Cabrita para qualquer cargo (que provavelmente já lhe estará prometido, em troca do sacrifício hérculeo de agir eticamente) será demasiado desrespeitador para os portugueses.

Por Sofia Aureliano

Do ponto de vista concetual – e optando por uma abordagem simplista, porque conseguíriamos estar muitas semanas a dissecar o conceito e as suas diferentes aceções – o que se entende por responsabilidade política circunscreve-se à responsabilização do sujeito perante ações e omissões no exercício da sua atividade. Não se deve confundir com responsabilidade jurídica, seja civil ou penal.

1. Ser responsável não é ser infantil. 

Os cargos políticos têm deveres associados. A vida política acarreta responsabilidades inerentes às funções que se exercem. A autoridade decorre da responsabilidade. E as consequências nunca são do foro pessoal. São exclusivamente da esfera política. 

Por isso, esperar-se-ia que a decisão de se demitir de Eduardo Cabrita fosse: 1) consequente, ou seja, no rescaldo do acidente que envolveu a viatura em que seguia, a trabalho, e que vitimou uma pessoa; 2) ética, motivada pela noção de responsabilidade associada à função; 3) idónea, por vontade do próprio. 

Não foi nenhuma das três. Foi calculista, pessoal e forçada pelo Primeiro Ministro. 

António Costa disse, ainda a propósito da anterior responsável da pasta da Administração Interna, aquando dos incêndios da região do Pinhal Interior, em junho de 2017, que era "infantil" pedir a demissão de ministros como consequência política. 

Foi, portanto, infantil Jorge Coelho quando se demitiu na sequência da tragédia de Entre-os-Rios? Foi infantil a saída de Leonor Beleza do governo de Cavaco Silva, em 1990, por causa da contaminação de hemofílicos com sangue infetado com o vírus da sida? E a demissão do seu sucessor na pasta da Saúde, Arlindo Carvalho, devido à intoxicação por alumínio no serviço de hemodiálise, que levou à morte de 22 doentes com insuficiência renal do Hospital de Évora? Não. Não foi infantil. Foi responsável. 

Algum destes protagonistas esteve pessoalmente envolvido nos incidentes? Foi ativa e diretamente responsável? Algum deles foi participante ou "passageiro"? Não. Mas todos se consideraram responsáveis politicamente. Deram prova de maturidade política. 

E o que podemos chamar a alguém que coleciona escândalos no exercício de funções, com consequências de reputação graves para as entidades que tutela, para além de envolverem a efetiva perda de vidas? Alguém que está agarrado ao lugar e que tem por hábito fazer cara feia quando é acusado e birra teimando que a culpa nunca é sua? Alguém que só sai do poder quando é empurrado e numa altura em que, pessoalmente, já será indiferente, porque sabe que não tem lugar num novo executivo (pudera!)? Oportunista, insensível, egocêntrico, irresponsável. Chamar infantil é pouco. 

Quem não tem maturidade para exercer cargos políticos não pode exercê-los. Espero que esta noção não se perca entre os mandamentos dos boys do PS. Repescar Cabrita para qualquer cargo (que provavelmente já lhe estará prometido, em troca do sacrifício hérculeo de agir eticamente) será demasiado desrespeitador para os portugueses.

2. E António Costa, não tem responsabilidade política? 

O que se pode dizer de um chefe de executivo que, perante escândalos como a morte de Ihor Homeniuk nas instalações do SEF, o caso dos migrantes em Odemira, as golas inflamáveis de prevenção contra incêndios ou os festejos do Sporting no pico da pandemia, mantém total confiança no ministro da Administração Interna? Classificou-o de "excelente ministro"! Perante tal bitola, é seguro dizer que, no lugar de Eduardo Cabrita, António Costa faria exatamente o mesmo, qual estátua budista dos macacos Kikazaru, Iwazaru e Mizaru: não ouvir, não falar e não ver.

Não devia ser o primeiro ministro o responsável máximo pela ação do governo? Pelas falhas e omissões dos seus ministros? Ou só o é quando as coisas correm bem e está imune quando dá para o torto? 

3. Critérios de seleção.

Costa escolhe os mais amigos e não os mais competentes. Provavelmente para evitar facadas nas costas oriundas de "gentalha" e para não ter de andar sempre a vigiar a própria sombra. Segura os seus até onde pode. Estoicamente (assim lutasse pelos portugueses!). 

O limite, como já se viu, é o da sua própria sobrevivência no poder. Não se pode pedir mais de um amigo que é alibi para tudo, mesmo em casos de morte!

Mas será este o melhor critério para formar governo? 

Diria que já sabemos o que esperar de um elenco de amigos de Costa no comando do país: pouca ação, muita omissão, interesses pessoais acima dos interesses dos cidadãos, um vale-tudo em prol da permanência no poder.

Acrescentando a isto, uma estrutural ausência de ética, de execução dos compromissos e de obrigação de prestação de contas. Em resumo, falta a noção fundamental de que o exercício do poder não é um conjunto de direitos que são concedidos a uma elite genial. É, sim, a oportunidade de exercer a enorme responsabilidade de estar ao serviço de Portugal e dos portugueses. Não devia ser este critério sine qua non para formar governo?

4. Ómicron: mais vale por excesso do que por defeito.

Continuamos a ter um limitado acesso à informação sobre a variante Ómicron. Sabemos que o primeiro caso foi detetado a 24 de novembro deste ano, na África do Sul, e que a Organização Mundial de Saúde a considera como uma variante “de preocupação”. 

Na realidade, o que se sabe ainda não permite corroborar este cognome, mas a cautela é a nova palavra de ordem. 

A Ómicron está associada a um elevado número de mutações, ainda é considerada pouco severa em relação às restantes variantes e não foi ligada a nenhum óbito. Contudo, devido às incertezas da investigação, não há garantias de que as vacinas contra a Covid-19 atualmente a ser administradas sejam eficazes, nem que os rastreios com testes rápidos sejam capazes de detetar o vírus. 

Mediante este cenário, não posso concordar que haja exageros no controlo desta variante, como tenho lido, devido ao reforço da testagem à chegada a Portugal e a quarentena obrigatória para quem vem de Moçambique, por exemplo. A prova de que o reforço de controlo é adequado é o facto de já terem sido identificados três casos positivos de Covid-19, especificamente Ómicron, entre os passageiros dos voos de repatriamento.

Isto em nada nos tranquiliza sobre a eficácia do controlo no país de origem. Deixa-nos na dúvida sobre as garantias que as prátcas de outros países nos podem dar, quando nem a ciência as tem. Por isso, antes pecar por excesso que por defeito.

Este é, de resto, o lema que defendo que devia ser adotado para o país, no combate à pandemia: ação, capacidade de decisão (em tempo útil) e assertividade. 

Na incapacidade de avistar o fim da linha, não pode haver espaço para hesitações. Nem para deixar a prevenção à deriva do bom senso de cada um. Sobretudo quando uma atitude passiva ou despreocupada pode ter custos elevados em número de vidas. Isto é, qualquer número igual ou maior do que um.