Enquanto vários tornados varriam o sul e centro-oeste dos EUA, Larry Virden deixou a sua última mensagem à namorada. «A Amazon não me deixa sair», escreveu este pai de quatro filhos, com 46 anos. Um quarto de hora depois, um tornado atingia o centro de distribuição onde trabalhava, em Edwardsville, Illinois, derrubando uma parede e parte do telhado. Virden era um veterano da guerra do Iraque, que sobrevivera por muito pouco a fogo de míssil, contou a sua namorada, Cherie Jones, ao New York Post. Desta vez não escaparia, estando entre os seis mortos no colapso deste armazém.
Estes tornados bizarros – um deles, que atravessou o Kentucky, foi dos mais poderosos alguma vez registados pelos serviço meteorológicos dos EUA – reclamaram pelo menos 75 vidas no Kentucky, na noite de 11 de novembro, mais outras 14 no Tennessee, Arkansas, Missouri, Illinois e Mississípi (ver texto ao lado). Mas o caso de Virden e dos seus colegas destacou-se entre a tragédia, trazendo à tona o crescente descontentamento com as condições laborais nos Estados Unidos. Sobretudo no que toca a gigantes como a Amazon, que apesar dos seus lucros astronómicos ficou associada a práticas como forçar trabalhadores a urinar em garrafas, por falta de pausas.
Pouco a pouco, mais detalhes foram surgindo. Soubemos que uma das vítimas no armazém da Amazon, Austin McEwen, de 26 anos, morreu enquanto se tentava refugiar numa casa de banho, desesperado pela falta de abrigos adequados na cave, algo costumeiro em regiões recorrentemente atingidas por tornados.
McEwen, filho único, ávido fã do rapper Mac Miller e de caçar com os seus amigos, faleceu aos 26 anos. «Ele era meu amigo e não se safou», contou um dos seus colegas, Brian Erdmann, à Reuters. Vários outros funcionários receberam ordens da Amazon para se esconderem em casas de banho, acabando por ter mais sorte que McEwen. Já Erdmann estava longe do armazém, após fazer uma entrega. «Se eu tivesse voltado 45 minutos mais cedo, provavelmente teria estado no mesmo sítio. Teria estado ali mesmo com ele».
Muitos dos seus colegas nem sequer se aperceberam do que aí vinha até ser tarde demais, dado que a Amazon os terá proibido de ter os telemóveis consigo, impedindo-os de receber as mensagens de alerta dos serviços meteorológicos, ou de falar por uma última vez com os seus entes queridos. Virden conseguiu fazê-lo porque foi lá fora carregar camiões.
O caos foi enorme, a gestão da Amazon impiedosa. «Continua a fazer entregas», respondeu um supervisor, quando uma condutora lhe disse que recebera os alertas de furacão, num sms obtido pela Bloomberg. «Não podemos chamar de volta as pessoas por causa de um aviso a não ser que a Amazon nos diga para o fazer».
A Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA, na sigla inglesa), abriu uma investigação ao sucedido nas instalações da Amazon. No entanto, o fundador da empresa, Jeff Bezos, não se mostrou particularmente preocupado com o assunto, pelo menos inicialmente.
Na manhã seguinte, enquanto bombeiros ainda vasculhavam os escombros do seu centro de distribuição no Illinois, em busca de sobreviventes, Bezos partilhava uma selfie num centro de treino da Blue Origin, no Texas. «Tripulação feliz», lia-se na legenda da foto, com o fundador da Amazon a ostentar um sorriso de orelha a orelha.
O post virou viral, com os comentários furiosos a multiplicarem-se, recordando que boa parte dos lucros da Amazon foram parar a esta empresa de turismo espacial – «quero agradecer a cada funcionário da Amazon», dissera Bezos, no voo inaugural da Blue Origin, «porque vocês pagaram por isto tudo» – para cumprir com o sonho do empresário de ir ao espaço.
Entretanto, cá na Terra, a expectativa é que a Amazon consiga escapar ao pior dos eventuais processos judiciais pelas mortes no desabamento, dado recorrer a empresas de trabalho temporário. Dos cerca de 190 funcionários que operavam as instalações em Edwardsville, somente sete tinham vínculos permanentes.
No entanto, o caso pode muito bem acelerar os esforços para sindicalizar os trabalhadores da Amazon, algo a que a empresa se tem oposto ferozmente, escreveu o New York Times.
«É outro perigoso exemplo da empresa pôr os lucros acima da saúde e segurança dos seus trabalhadores», declarou Stuart Appelbaum, líder do Retail, Wholesale and Department Store Union, principal sindicato do setor. «Não podemos deixar isto acontecer».
Dois dias depois da tragédia, apesar dos estragos nas instalações, a máquina da Amazon em Edwardsville continuava a funcionar, entregando um pouco de tudo a uma população que cada vez mais faz compras online, no rescaldo da pandemia.
«É uma lembrança do trauma que acabei de viver, mas continuarei a regressar para trabalhar na Amazon», relatou Emily Epperson, uma colega de Virden e McEwen, à Reuters. «Este é o meu sustento».