Por Luís Paulino Pereira, médico
Sempre que nos aproximamos desta quadra tão festiva, ouvem-se por toda a parte slogans e frases que reforçam ainda mais o espírito de fraternidade, alegria e paz características desta época. ‘Natal em família’, ‘Natal na província’, ‘Natal à lareira’, são expressões sempre presentes e alimentadas pela comunicação social, que não deixam ninguém indiferente.
Contudo, tanto no passado ano como neste, apareceu uma outra expressão, até então desconhecida, e que é bem o espelho desta fase que atravessamos: «Natal em covid». Esta frase, à qual forçosamente temos de nos habituar, vem chamar-nos a atenção para que o Natal, que é sempre Natal, deve ser vivido com o maior cuidado, respeitando integralmente as normas superiormente recomendadas e que o bom senso também nos impõe. Pois nada melhorará se cada um se demitir do cumprimento das suas obrigações neste tempo de pandemia.
Tal como tudo na vida, quantos Natais não vivemos nós em plena liberdade e em total segurança, e nunca demos valor a isso? Achávamos que era tudo normal e que nos era devido como um dado adquirido. Mas hoje, olhando para o panorama desolador à nossa volta, bem nos lembramos dos Natais de outros tempos e dos Natais da nossa infância, quando tínhamos toda a liberdade do mundo e nem sempre a soubemos aproveitar da melhor maneira. A vida é mesmo assim.
Não está nas nossas mãos contrariar, muito menos travar, estes sinais da evolução dos tempos; mas muita coisa depende de nós, e é nossa obrigação cumprir o nosso dever para evitar males maiores e prevenir o que pode e deve ser prevenido. Na minha profissão, sempre defendi a teoria: ‘Se é importante tratar as doenças, mais importante ainda é preveni-las’.
Em 2020 pensávamos que era um ano de exceção e toda a gente se resignou perante as exigências de um Natal diferente, na esperança de uma vacinação ‘milagrosa’ que estava prestes a chegar e que iria acabar definitivamente com todos os malefícios que a covid nos veio trazer.
A vacina apareceu e com ela a correria desenfreada da população como se não houvesse amanhã – pensando nós que, quanto mais depressa o fizéssemos, mais ‘libertos’ ficávamos para o resto da vida. Um ano depois, continuamos com o problema por resolver e o aparecimento de novas variantes obriga-nos a sermos prudentes, cautelosos e a mantermos a vigilância.
Neste Natal, por muito que isso nos custe, voltamos a ter de cumprir as regras já nossas conhecidas, entre as quais o uso da máscara, o evitar aglomerações, manter o distanciamento e a higiene frequente das mãos. A 3ª dose da vacinação é como que um dever cívico a que ninguém deve fugir. Está provado que uma pessoa vacinada, mesmo que venha a contrair a doença, não passará de uma infeção ligeira e que as complicações serão menores. Não queiramos correr riscos desnecessários, nem fazer parte das estatísticas pelos piores motivos.
Apesar de tudo vivamos o Natal como ele deve ser vivido. Ponhamos de parte o consumismo desmedido e procuremos fazer o presépio no nosso coração. Vamos ao encontro dos mais pobres, dos doentes, dos que não têm o mínimo para viver condignamente, dos que vivem sós e daqueles que precisam da nossa ajuda para empurrar a cadeira de rodas em que se deslocam.
E por que não educar as crianças a oferecerem um brinquedo seu que já não utilizam a outras crianças pobres? Que posso fazer eu, médico, com os muitos doentes ansiosos que vivem numa nostalgia permanente, sem esperança de melhores dias, ávidos de uma simples palavra de conforto?
Se vivermos o Natal com este espírito, não haverá covid que nos vença – e estaremos a contribuir para um mundo mais fraterno e mais justo.