Era considerado o “compasso moral da África do Sul” e foi um dos principais ativistas contra o apartheid. Este domingo, o mundo despediu-se do vencedor do Prémio Nobel da Paz, em 1984, Desmond Tutu, arcebispo da Igreja Anglicana que dedicou a sua vida a lutar contra a segregação no seu país natal, que morreu depois de uma longa batalha contra um cancro na próstata e diversas infeções.
Tutu, uma das maiores figuras da África do Sul e contemporâneo do ex-Presidente Nelson Mandela, foi “uma das forças por trás do movimento que conduziu ao fim das políticas de segregação racial e discriminação impostas pela minoria branca no Governo contra a maioria negra, na África do Sul, entre 1948 e 1991”, descreve a BBC, razão pela qual foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
Desmond repreendia a liderança branca durante o apartheid e mesmo depois deste regime, apontando o dedo ao Congresso Nacional Africano (ANC) por falhar perante a população sul-africana, Tutu também deplorou o tratamento de Israel à Palestina, a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque e as regras, as filosofias mais conservadoras da sua própria Igreja e era um defensor da comunidade LGBTQ+.
“Ele foi o compasso moral da África do Sul”, disse o investigador Scott Firsing, que trabalha na África do Sul, à Al Jazeera. “[Tutu] foi um espinho no Governo do apartheid pelas suas desigualdades desprezíveis, e, da mesma forma, ao Governo pós-apartheid, manifestando-se contra a corrupção e por se colocar ao lado da China”, explicou.
Da igreja se fez o combate Nasceu em outubro de 1931, em Klerksdorp, uma aldeia dedicada à agricultura e à exploração de minas de ouro, a 160 quilómetros de Joanesburgo. Durante a sua infância, Tutu foi uma criança frágil e doente, filho de um professor e de uma empregada doméstica.
Apesar de ter seguido um caminho religioso, Tutu recebeu uma educação para se tornar professor, no entanto, despediu-se em protesto contra as restrições do Governo em educar crianças negras.
Influenciado por membros da Igreja que se opunham ao apartheid, nomeadamente o Bispo Trevor Huddleston, Tutu optou por se tornar um padre anglicano. Foi ordenado sacerdote em 1961, serviu como bispo do Lesoto entre 1976 e 1978, bispo assistente de Joanesburgo, reitor de uma paróquia em Soweto e, em 1975, tornou-se o primeiro deão negro, responsável máximo de um órgão colegial da Igreja, da capital sul-africana.
Apesar de ter viajado por diversos países, Tutu tornou-se uma figura mais reconhecida em meados dos anos 1970, ao impulsionar a luta contro a opressão na África do Sul, ao lado de outras figuras, enquanto Nelson Mandela se encontrava preso.
Tutu era desprezado pelos apoiantes do apartheid, que o viam como um traidor do regime por apelar a sanções à África do Sul, um regime opressor. Mas, por outro lado, o religioso era “protegido, não só, pela sua perspicácia e espírito lutador, mas também pelo sua imensa popularidade e respeito”, escreve o Guardian, uma postura que lhe valeu, em 1986, uma nomeação como arcebispo de Cape Town, tornando-se o líder da Igreja Anglicana na sua terra natal.
Neste seu papel de destaque, Tutu falou contra a opressão contra os negros na África do Sul, “sempre afirmando que os seus motivos eram religiosos e não políticos”, escreve a BBC. “A sua ‘visão clara e posição sem medo’, que o tornaram um ‘símbolo unificador para todos os lutadores pela liberdade africana’, deram-lhe um prémio nobel, em 1984”, escreveu o instituto norueguês, citado pelo Al Jazeera.
Dez anos depois de conquistar esta distinção, ano em que Nelson Mandela se tornou o primeiro Presidente negro da África do Sul, em 1994, Tutu foi nomeado por ele para uma Comissão de Verdade e Reconciliação criada para investigar crimes cometidos por brancos e negros durante a era do apartheid.
Tutu foi creditado por cunhar o termo Nação Arco-Íris para descrever a mistura étnica da África do Sul pós-apartheid, no entanto, nos seus últimos anos, afastou-se da ANC lamentando que a nação não se tivesse unido da maneira que ele sonhou, acusando os líderes deste partido de “andarem num ‘comboio de alegria’ conduzido por privilegiados”, enquanto outros sofriam com a pobreza.
Mas as críticas não se limitavam à política, dirigindo acusações aos seus pares da Igreja depois de uma onda de revolta pela ordenação de bispos homossexuais, acusando-os de possuirem uma “obsessão” com a homossexualidade que “descarrilava” a batalha do clero, tendo também manifestado-se contra a legislação homofóbica do Uganda.
“Ele era como um Martin Luther King sul-africano”, comparou Steven Gish, autor de uma biografia sobre Tutu. “Um homem do clero cristão que trabalhou, sob o signo da não-violência, pela justiça racial e a igualdade”, disse à Al Jazeera. “Ele nunca odiou os seus opressores e sempre acreditou no diálogo e no apelo à consciência moral das pessoas”.
A morte de Tutu, aos 90 anos, foi anunciada pelo Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que destacou um “outro capítulo de luto na despedida da nação a uma geração de notáveis sul-africanos”.
“A morte do arcebispo emérito Desmond Tutu é um novo capítulo de luto na despedida da nossa nação a uma geração de sul-africanos excecionais que nos legaram uma África do Sul liberta”, afirmou.
O ativista deixa um legado como um guerreiro incansável focado no objetivo de erradicar as injustiças sociais, não só do país que o viu nascer, mas de todo o mundo. No entanto, a sua forte personalidade e atitude foram traçadas por um dos seus amigos mais próximos. “A voz de Desmond Tutu será sempre a voz daqueles que não têm voz”, descreveu em tempos Nelson Mandela.