"Acho que, globalmente, não há nenhuma iniciativa desta envergadura que possa ser perfeita. Olhando para os resultados, acho que foi muito boa e muitíssimo bem preparada", começa por explicar António Sarmento, em declarações ao Nascer do SOL, um ano após ter sido o primeiro português a ser inoculado com a vacina contra a covid-19. No dia 27 de dezembro de 2020, o diretor do serviço de doenças infecciosas do Hospital de São João, no Porto, foi o primeiro português a receber a vacina da Pfizer-BioNTech.
“Nunca corri atrás da vacina. Sei que há um Plano Nacional de Vacinação e aceitei ser inoculado. Mas, se me tivessem chamado daqui a uma semana, iria com a mesma tranquilidade”, disse, à época, ao i, o médico de 65 anos que integrou o gabinete de crise da Ordem dos Médicos para lidar com o novo coronavírus e é um dos mais experientes infecciologistas do país. Recorde-se que quando chegaram os primeiros casos a Portugal, em março do ano passado, em entrevista ao Nascer do SOL, António Sarmento confessou que, na sua ótica, o uso da máscara pela população no geral não era necessário, mas sim para quem está doente, sendo que “andar na rua de máscara, ir ao supermercado de máscara, não faz sentido”. Por outro lado, acreditava que somente a vacina seria decisiva, a partir de janeiro deste ano, para o combate à covid-19.
Continuando a acreditar no potencial dos fármacos em causa, o professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que recebeu a vacina na zona K5 que, habitualmente, está reservada às consultas externas do hospital, adianta que "há sempre pessoas preparadas para criticar seja o que for" e frisa que "temos de ver isto [o processo de vacinação] na perspetiva global". "Foram atingidos objetivos fantásticos, mas isto deve-se imenso ao nosso povo: os portugueses encaram com serenidade e confiança extraordinárias as vacinas e isso fez com que percebessem que houve uma diminuição brutal da mortalidade infantil e o efeito é incrível", diz, referindo-se ao Programa Nacional de Vacinação, que foi implementado em território nacional no ano de 1965. "Esta é a intervenção humana que mais diminuiu a mortalidade", destaca.
"A emoção mais forte que tive nesse dia não foi por ser o primeiro, mas sim por o processo ter começado. Fosse eu a ser vacinado ou outra pessoa qualquer. Em relação a ter sido eu, se isso teve algum impacto positivo, fico contente", acrescenta o médico que deu um passo em frente quando a adesão dos restantes profissionais de saúde convocados para serem vacinados naquela instituição superou os 90%, segundo fonte oficial, o que significava que nem todos haviam aderido ao Plano de Vacinação. Questionado sobre a percentagem de profissionais que não quiseram ser vacinados, a mesma fonte voltou a realçar que “mais de 90% fizeram-no”.
"O importante é a pessoa ter a oportunidade de fazer alguma coisa. Se isso foi útil, fantástico. Também podia ter acontecido o contrário: poderia ter havido uma corrida às vacinas e se o meu exemplo realmente fosse vantajoso, se isso pudesse dar tranquilidade às pessoas… Até poderia ser o último desde que as apaziguasse!", sublinha, avançando que "estava confiante na Ciência, na tecnologia e no investimento que se fez em termos económicos". "A única coisa que me provocou ansiedade foi aperceber-me do aparato todo", assevera Sarmento, tendo sido contactado, no dia 25 de dezembro de 2020, pelo diretor da instituição hospitalar em que trabalha, o professor Fernando Araújo, para que este soubesse se aceitaria ser o primeiro a ser inoculado e, assim, constituir um símbolo do arranque do processo de vacinação que ainda está em curso. "Se soubesse o que sei hoje, acho que nem teria dormido na noite anterior!", remata o médico que não está habituado a tanta exposição pública.
Importa referir que, em declarações ao i, na edição desta segunda-feira, quando questionado acerca da eventual discrepância entre o número real de infetados e aquele que tem vindo a ser veiculado pela Direção-Geral da Saúde (DGS) nos diversos boletins epidemiológicos, o médico que conta com 42 anos de carreira indicou que “é evidente que os números de vacinados, infetados, óbitos etc. não são exatamente iguais à realidade: há sempre erros por excesso ou defeito seja em que doença for”. “No meu serviço, na Unidade de Cuidados Intensivos, se tivéssemos o número de doentes de há um ano, a mesma estaria completamente cheia. Teríamos de ter posto doentes noutras áreas, aberto camas em obstetrícia, cirurgia vascular, etc. e estamos a aguentá-los nas doenças infecciosas. E isto deve-se à vacina", apontou.
Até agora, foram vacinadas quase 8,7 milhões de pessoas e mais de 2,5 milhões receberam a dose de reforço.