O quidditch para muggles pode ter nascido do fantástico universo de Harry Potter, mas rapidamente se embrenhou nas polémicas do mundo real. Do mundo real, mais ou menos, do Twitter, quando J. K. Rowling, lançou uma série de tiradas acusadas de serem transfóbicas. Algo que levou as ligas americanas de quidditch, que ganhavam crescente popularidade no circuito de desporto universitário, a decidir mudar de nome, para cortar a ligação à autora.
Para quem não faz ideia do que estamos a falar, quidditch é o desporto favorito de Harry Potter. No quidditch para muggles (ou pessoas não-mágicas), que chegou a ser ponderado como potencial desporto olímpico, em vez de feiticeiros a voar em vassouras, temos orgulhosos nerds a correr pelo campo com canos de PVC no meio das pernas, tentando marcar pontos ao atirar uma bola de voleibol, ou quaffle, no jargão mágico, através de um aro.
Pelo meio, à falta de bolas encantadas para derrubar jogadores, ou blugers, joga-se uma espécie de jogo do mata, enquanto um membro de cada equipa, os seekers, tentam apanhar a snitch dourada, para terminar o jogo. Só que, em vez de tentar apanhar uma diminuta e frenética bola com asas, temos uma bola amarela presa à traseira de um jogador neutro, que corre pelo campo.
Para muitos observadores, sobretudo os que não cresceram a ler a saga Harry Potter e a imaginar como seria jogar quidditch, pode parecer um jogo ridículo. Contudo, para aficionados, este desporto tornou-se uma comunidade onde podiam conhecer outros fãs, um refúgio para gente que sentia que não se encaixava em lado nenhum, muitas vezes por uma questão de orientação sexual ou de género.
Daí que seja um dos desportos universitários americanos mais inclusivos, misto, com regras que proíbem que uma equipa tenha mais de quatro pessoas que se identifiquem do mesmo género em campo, com a federação US Quidditch a ostentar as cores da bandeira LGBT+ no seu símbolo. Não é de estranhar que os sucessivos comentários de J. K. Rowling quanto a pessoas transexuais tenham criado cada vez mais celeuma entre os atletas.
Na prática, ao longo dos últimos anos a autora tem-se batido contra a noção de que sexo – o que temos no meio das pernas – é diferente de género, o «conjunto de propriedades atribuídas social e culturalmente em relação ao sexo dos indivíduos», como descreve o dicionário Priberam. Ou seja, disputando que pessoas trans sejam de facto consideradas como do género com que se identificam.
J. K. Rowling, em tempos celebrada como apaixonada defensora dos direitos das mulheres e pessoas LGBT+, cada vez mais adotou o rótulo de TERF (acrónimo de ‘feminista radical trans-excludente’), inclusive recomendando aos seus milhões de admiradores que acompanhassem páginas do tipo, onde se vendiam camisolas estampadas com mensagens como «que se lixem os teus pronomes».
Cada vez mais vilipendiada nas redes sociais, J. K. Rowling explicou a origem das suas posições, defendendo que «se o sexo não é real, então a experiência vivida pelas mulheres globalmente é apagada», e salientando que ela mesma é sobrevivente de abusos sexuais e violência doméstica. A sua explicação não chegou para as principais ligas do desporto que inspirou, a US Quidditch e a Major League Quidditch, que irão mudar de nome.
«As ligas esperam que uma mudança de nome possa ajudá-las a continuar a distanciar-se dos trabalhos de J. K Rowling, que tem estado sob crescente escrutínio pelas suas posições anti-trans», anunciaram em comunicado.