Chegou ao fim uma vida que, passe a expressão, foi mais estranha que a ficção. O multimilionário norte-americano Robert Durst, que morreu na noite de segunda-feira, aos 78 anos, de causas naturais, estava detido depois de ter sido condenado pelo assassinato da sua melhor amiga, que o ajudou a cobrir a morte da sua esposa, e de ter estado desaparecido das autoridades desde janeiro de 1982, tendo apenas sido encontrado quando estava a gravar um documentário para a plataforma de streaming da HBO.
Demasiada informação? Vamos por partes.
Durst, o mais velho de quatro irmãos, nasceu no seio de uma família abastada, filho do magnata do mercado imobiliário, Seymour Durst, e da sua esposa Bernice Herstein. A origem da fortuna está ligada ao seu avô, Joseph Durst, um alfaiate que emigrou do Império Austro-Húngaro, em 1902, e tornou-se um investidor de grande sucesso nos Estados Unidos, tendo criado a Durst Organization, em 1927.
Apesar das regalias que o dinheiro oferecia, Robert viveu uma infância traumatizante, marcada pela morte da sua mãe, em 1950, que caiu do telhado da casa da família. Alegadamente, Durst, que tinha apenas sete anos, afirma que foi obrigado pelo pai a assistir a este incidente.
Alegadamente, uma vez que esta versão dos acontecimentos é refutada pelo seu irmão, Douglas, que afirmou, em 2015, em entrevista ao The New York Times, que os irmãos se encontravam todos juntos na casa de um vizinho, acusando Robert de querer culpar o pai para conquistar a simpatia do público face aos crimes que cometeu. Mas não nos apressemos na história.
Verdade ou não, este evento deixou uma marca profunda nos irmãos, que passaram a receber acompanhamento profissional devido à sua rivalidade, e, em 1953, um psiquiatra diagnosticou Robert, quando este tinha apenas 10 anos, com “descompensação [deterioração da personalidade, que ocorre devido ao stress e fadiga] e, possivelmente, esquizofrenia”.
Esta conturbada relação com a família foi uma constante ao longo da sua vida. Robert tinha pouco interesse em colaborar no negócio de família, o seu objetivo era abrir uma pequena loja de comida saudável, All Good Things, em Vermont, mas foi persuadido pelo seu pai a juntar-se à Durst Organization.
Esta ligação durou até ao seu pai nomear o irmão Douglas como próximo líder da Organização, em 1992, argumentando que Robert não era a escolha ideal devido a uma “conduta inapropriada”. Esta decisão não caiu bem e Robert acabou por processar o seu irmão, acusando-o de roubar a posição que era dele por direito. Em 2006, acabou por receber 65 milhões de dólares (cerca de 57 milhões de euros) para abandonar a empresa.
Uma vida que deu um filme O caso de Robert Durst foi altamente mediático porque foi alvo de um documentário da HBO, The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst, que resultou na sua condenação.
Durst já se encontrava a cumprir prisão perpétua pelo assassinato de Susan Berman, uma amiga próxima que, segundo procuradores legais, o ajudou a esconder a morte da ex-mulher, mas, em novembro do ano passado, o multimilionário caído em desgraça foi condenado pelo assassinato da sua ex-mulher, Kathie McCormack Durst, em 1982.
Quando esta mulher desapareceu tinha 29 anos e estava a meses de terminar o curso de medicina, o seu casamento com Durst, que tinha 38 anos, durava há quase nove anos, mas, na altura, esta pretendia divorciar-se do marido. A última vez que Kathie foi vista foi depois de abandonar a mansão do casal.
Anos mais tarde, em dezembro de 2000, Durst assassinou Berman, com um tiro, uma vez que estava pronta para revelar às autoridades o seu envolvimento no assassinato da ex-mulher. Segundo as autoridades, esta tinha protegido o assassino ao oferecer-lhe um alibi falso.
As investigações deste caso arrastaram-se durante anos e culminaram no documentário da HBO. Nas gravações do último episódio do documentário, o realizador, Andrew Jarecki, mostrou a Durst uma carta não assinada que foi enviada à polícia local, que alertava, um dia antes do corpo de Berman ser descoberto, que existia um “cadáver” na sua morada, e comparou-a a uma carta que Durst tinha escrito para Berman.
O realizador revelou que um especialista em caligrafia tinha concluído, depois de reparar que “Beverly Hills” tinha sido escrito com um erro nos dois casos, que ambas as cartas tinham sido escritas pela mesma pessoa, o assassino de Berman.
Apesar de ter negado ser autor destas cartas, depois das entrevistas, mas ainda com os microfones colocados no corpo, Durst deslocou-se à casa de banho, onde é possível ouvir este a confessar os assassinatos. “Aí está. Fui apanhado… Mas que diabos é que eu fiz? Matei-os a todos eles, é claro”.
Para além destes casos, Durst esteve ainda envolvido no sinistro assassinato de Morris Black, o seu vizinho, cujo cadáver foi encontrado esquartejado depois de ter sido atirado ao mar. O assassino fugiu para a casa de Morris, no Texas, para se esconder das autoridades e onde estava disfarçado de uma mulher surda e muda.
O nova-iorquino acabou por ser detido depois de ter sido apanhado a roubar uma sanduíche num supermercado, mas conseguiu evitar ser condenado por este assassinato uma vez que a sua equipa de advogados (luxuosa) argumentou que o crime fora cometido em autodefesa.
Agora, anos depois de batalhas com a família e com a lei, Durst acaba a vida a ser julgado pelo único e inevitável juiz, a morte.
No entanto, mesmo na morte, a sombra de Durst paira sobre a vida das suas vítimas. Segundo as autoridades de Nova Iorque, o caso de homicídio da sua ex-mulher será encerrado, uma vez que não é possível processar um homem morto, e a acusação de homicídio de Berman será anulada, avançou o The Guardian.
“Esperávamos dar às famílias a oportunidade de ver Durst finalmente enfrentar as acusações pelo assassinato de Kathleen, porque sabemos que todas as famílias nunca param de querer encerramento, justiça e responsabilidade”, disse a procuradora do condado de Westchester, nos Estados Unidos, Mimi Rocah, citada pelo jornal inglês.