Rosa Luxemburgo. A macabra morte da mulher que coxeava

No dia 15 de Janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, considerados perigosos revolucionários de esquerda, foram assassinados por uma organização de mercenários, a Freikorps. Com o apoio do governo social democrata alemão, Rosa levou um tiro na cabeça e foi atirada a um canal do rio Spree.

No dia 15 de Janeiro de 1919, cumprem-se hoje precisamente precisamente 103 anos, Rosa Luxemburgo e o seu camarada Karl Liebknecht, foram sumariamente executados pelas  Freikorps, um grupo mal amanhado de voluntários militares ou paramilitares, na sua maioria alemães, que sobraram como restos de uma força armada no final da I Grande Guerra, utilizados pelo governo alemão para combaterem e dispersarem os movimentos comunistas que surgiram no país em consequência da Revolução Russa e que se ergueram como oposição organizada à República de Weimar. Lobos raivosos que se sentiam inúteis no momento de depor as armas. Assassinos a soldo, mercenários, muitos deles desertores do exército germânico quando a derrota já era inevitável. Até hoje, a verdadeira identidade dos assassinos foi mantida em segredo, embora, em 1993, o historiador Klaus Gietinger tenha publicado um livro no qual apontava Hermann Souchon como o homem que matara Rosa Luxemburgo no veículo que a conduzia a uma prisão de Berlim. Segundo Gietinger, Otto Runge, um mero soldado das GKSD (Garde Kavallerie Schützen Division, uma das facções mais à Direita dos Freikorps), atingira-a na nuca com um golpe e, em seguida, Hermann, um oficial, pusera-lhe o pé no pescoço e desferira-lhe um tiro de pistola na têmpora. Depois, outro soldado, Kurt Vogel, atirou o corpo para um dos canais do Spree. A ordem teria sido dada diretamente pelo comandante-geral das GKSD, Waldemar Pabst.

Janeiro de 1919 foi um mês particularmente duro e conflituoso em Berlim. A Spartakusbund, ou Liga Espartaquista, um movimento revolucionário marxista criado durante a guerra com o nome de Spartacus, o líder da revolução dos escravos no tempo da República Romana, fundado por Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e outros companheiros de luta, lançara-se numa feroz batalha contra o governo de Weimar liderado pelo chanceler Friedrich Ebert, do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD). Na verdade, a Spartakusbund começou por ser uma fação esquerdista do SPD que se separou do partido por assumir uma posição favorável à ação revolucionária em vez de uma tentativa de tomar o poder pela via parlamentar. Mais tarde acabaria por se transformar no Partido Comunista Alemão (KPD).

Um movimento de massas espalhou-se espontaneamente na tentativa de sequestro do chefe da Polícia de Berlim, um tipo de poucos escrúpulos chamado Emil Eichhorn, membro do Partido Alemão Social-Democrata Independente (USPD) que se se coaligara ao SPD para formar governo. O caldo político em que a Alemanha se transformara após a queda do Império e a abdicação do Keiser, era fervente. As opiniões dividiam-se, as forças partidárias dispersavam-se, a autoridade era continuamente posta em causa e, daí, a importância que os Freikorps assumiram para a manutenção do novo regime. O Conselho dos Deputados do Povo, como foi nomeado, ia mostrando cada vez mais simpatia e ligação com as antigas elites, sobretudo velhos líderes militares. A gota de água que encheu de vez o copo dos sociais-democratas independentes que, a certa altura, resolveram abandonar o governo. Todos menos Eichhorn, que estava agarrado ao lugar como uma lapa. Resistiu à demissão que lhe foi imposta e acendeu o rastilho para a indignação popular. Um rastilho que terminou com o assassínio de Rosa e de Liebknecht.

No início do mês de Dezembro de 1918, as paredes de Berlim estavam infestadas com cartazes – «Morte a Libknecht!» As coisas atingiram um tal ponto de ódio que tanto Liebknecht como Rosa Luxemburgo tiveram de desaparecer da vida pública. Dava-se o caso de Rosa ter muitas dúvidas em relação ao movimento revolucionário que se estava a cozinhar. Finalmente decidiu-se e escreveu uma série de artigos em que utilizava a expressão «uma segunda revolução está em marcha». O seu esconderijo em Wilmersdorf, um bairro pacato de Berlim, não tardou a ser descoberto e viram-se presos por uma milícia popular. Sem saber ao certo o que fazer com os dois capturados, entregaram-nos no Hotel Eden, um empreendimento de luxo onde funcionava a sede da GKSD Freikorps. De imediato, o comandante Pabst tomou a decisão de que deveriam ser assassinados.

Pabst estava consciente de que a morte de Liebknecht e Rosa Luxemburgo podia incendiar ainda mais os já de si escaldantes primeiros dias desse ano de 1919. Começou por procurar o apoio do ministro social-democrata Gustav Noske que funcionava como responsável pela organização militar. Este atirou a decisão para os braços do comandante dos exércitos, Walther Freiherr von Lüttwitz. Pabst respondeu-lhe que Walther nunca daria luz verde às execuções. Então, Noske limitou-se a concluir: «Vai ter que ser responsável pelas suas acções».
Mortes abjetas

 O plano de Pabst passava por matar ambos os revolucionários no caminho do Hotel Eden para a prisão, na noite de 15 para 16 de Janeiro, deitando depois os corpos à rua para fazer nascer a ideia de que teriam sido linchados pela multidão que nessa altura formava batalhões aqui e ali em busca de escaramuças. Mas os acontecimentos escaparam ligeiramente ao seu controlo e o transporte teve de ser adiado. Um oficial subalterno subornou um soldado para que matasse Liebkecht e Rosa Luxemburgo a tiro de espingarda à revelia de Pabst. Cem marcos bastaram. Ambos ficaram bastante feridos com os disparos mas não morreram. Chegara a hora de os tirar definitivamente do Hotel Eden para que as responsabilidades do crime não tombassem sobre a GKSD como uma avalancha. Rosa foi atirada para as traseiras de uma carrinha onde, já em movimento, Hermann Souchon matou-a com um tiro na cabeça. O comandante da operação, Kurt Vogel, deu então instruções para que o corpo fosse atirado para o canal Landwehr onde só viria a ser encontrado quatro meses mais tarde.

Ao mesmo tempo que Rosa Luxemburgo era abatida como um animal, Karl Liebknecht, também ferido com gravidade, foi transportado num carro aberto até ao Tiergarten. O condutor fingiu uma avaria e disseram a Karl que teriam de seguir o resto do caminho a pé. Mal tiveram oportunidade, enfiaram-lhe um par de balas pelas costas e forjaram um relatório em que o deram como morto enquanto tentava fugir.

O governo decidiu que as mortes de Karl e Rosa deveriam ser investigadas por um tribunal militar.

Convenientemente, os juízes escolhidos para o presidirem faziam parte da mesma divisão da GKSD do que os homens levados à justiça. O juiz presidente, em total conluio com Pabst, tratou de encobrir a brutalidade do crime. Seria mais tarde agraciado pelos nazis de Hitler com a promoção ao especialíssimo Tribunal Especial Roland Freisler, um antro arbitrário de decisões mais políticas do que jurídicas. Os assassinos foram absolvidos. Vogel recebeu uma pena simbólica pelo crime de ter deitado um cadáver para a rua e fugiu para a Holanda. Os nazis também o premiaram generosamente: viria a ser o chefe da polícia de contra-inteligência de Hitler, a Abwehr.

A vida de Rosa

Róża Luksemburg, também grafada como Rozalia Luksenburg, nasceu em Zamosc, na Polónia, no dia 5 de Março de 1871. Os Luxemburgos eram uma família bem posta desde que o avô de Rosa, Abraham deixou Varsóvia para casar com Chana Szlam e se instalou em Zamosc pondo em marcha um rentável negócio de venda de madeira que rapidamente ganhou ramos em diversas grandes cidades mais ou menos próximas como Gdansk, Leipzig, Berlim e Hamburgo. Apesar das suas origens humildes, tornou-se um homem próspero que participou ativamente na reforma do judaísmo ortodoxo polaco. Edward Eliasz, o pai de Rosa, foi o mais velho de dez irmãos e o principal responsável por desenvolver o negócio criado por Abraham. Tendo perdido a mãe aos 18 anos veio a casar cedo com Lina Löwenstein. A Revolta de Janeiro, o movimento separatista da União Polónia-Lituânia do Império Russo em 1863, atirou Edward para o universo da política, algo que nunca estivera nos seus horizontes. Acusado de distribuir armas pelos camponeses, acabou por ser perseguido após o fracasso da rebelião e refugiou-se em Varsóvia, clandestinamente, deixando a família em Zamosc. As dificuldades financeiras passaram a fazer parte do seu dia a dia, de tal ordem que não teve outro remédio que não chamar Lina para junto de si. Rosa tinha apenas dois anos quando passou a viver com o pai em Varsóvia. Era a mais nova de cinco irmãos e não tardaria a ser atacada pela pólio, o que fez que mancasse para o resto da vida. Leitora compulsiva, tornou-se fluente no russo e no francês para além do polaco. Forjou as suas ideias políticas no princípio de que em primeiro lugar era polaca e só depois judia.

Tornou-se igualmente uma impenitente anti-czarista.

Depois de ter concluído os estudos secundários num colégio feminino de Varsóvia onde a língua russa era obrigatória e a descolonização um objetivo, tornou-se, em 1886, membro do Partido Proletário Polaco, uma organização ilegal de esquerda que antecipou em mais de vinte anos o comunismo russo. Inquieta como era, não tardou a meter-se em sarilhos quando ajudou a organizar uma greve geral por causa da qual quatro dos principais líderes do seu partido foram condenados à morte. Rosa manteve-se ativa, embora na clandestinidade, mas já estava bem identificada pela polícia czarista para poder continuar na sua vida do dia a dia. Escondeu-se numa zona campesina onde ganhou a vida como tutora numa dworek, ou seja, numa casa de gente fidalga. Por pouco tempo. Em 1889 fugiu para a Suíça e inscreveu-se na Universidade de Zurique onde estudou filosofia, política, economia e matemática. Especializou-se em Ciência Política e apresentou uma tese sobre O Desenvolvimento Industrial da Polónia. Nessa altura também já falava e escrevia alemão correntemente. Tornou-se na primeira mulher a obter um doutoramento em economia.
Terminados os estudos, mergulhou de cabeça na atividade política, aproximando-se de figuras como Georgi Plekhanov e Pavel Axelrod, defensores ferrenhos da ideologia marxista. Em 1893, com Leo Jogiches e Julian Marchlewski, Rosa Luxemburg fundou o jornal Sprawa Robotnicza (A Causa dos Trabalhadores), uma publicação que defendia o crescimento de uma Polónia independente que só poderia surgir com o apoio dos movimentos comunistas da Alemanha, Áustria-Hungria e Rússia. Desentendeu-se com Lenine, nessa altura igualmente exilado na Suíça, e contribuiu para a fundação do SDKPiL, Partido Social Democrata dos Reinos da Polónia e Lituânia.

Instalada em Berlim, correu para Varsóvia no momento em que rebentou a Revolução de 1905, sabendo que corria o risco de ser apanhada pela polícia czarista. A sua coragem física era impressionante. Mantendo-se na clandestinidade, publicou um jornal ilegal, o Czerwony Sztandar (Estandarte Vermelho) no qual assinou mais de cem artigos durante um ano, defendendo as suas ideias revolucionárias. Em 1906 foi presa. Do 10º Pavilhão da Cidadela de Varsóvia, onde foi encarcerada, continuava a escrever e a fazer passar para o exterior as suas ideias arrasadoras. Com a ajuda de dois guardas subornados, conseguiu fugir para a Finlândia e, daí, regressar à Alemanha.

Em 1897, casou com o filho de um velho amigo, Gustav Lübeck e, com isso, adquiriu cidadania alemã. Juntou-se ao movimento reformador de Eduard Bernstein e nunca escondeu que detestava o ambiente monótono de Berlim. Mas as portas fechavam-se-lhe um pouco por toda a parte. Escreveu um livro polémico, A Acumulação do Capital, ganhou fama de terrorista, amancebou-se com Kostja Zetkin, outro ativista que, não por acaso, era filho da sua melhor amiga, Clara Zetkin, tornou-se absolutamente prolífica na forma como expandia as suas ideias, desprezando publicamente a cultura prussiana. Distanciou-se das ideias de Bernstein, acusando-o de revisionismo, teimou em desprezar a Alemanha e a sua atitude política estática confessando que só vivia em Berlim por conveniência e não por gosto, fugindo várias vezes para a Suíça onde conseguia fugir do que chamava um pântano social. Foi nesse pântano que morreu. Abatida à queima-roupa por um canalha.