Boris Johnson luta pela sua sobrevivência política. Consciente de que os britânicos estão furiosos com as sucessivas festas no n.º 10 de Downing Street, em pleno confinamento, o primeiro-ministro vive a espreitar por cima do ombro, não vá um dos seus ministros dar-lhe uma facada nas costas, enquanto uma rebelião fervilha na bancada parlamentar do seu próprio partido. E está a usar truques sujos, acusou o deputado conservador William Wragg, denunciando que vários dos seus colegas foram alvo de «chantagem» pelo Governo britânico, sendo ameaçados com cortes no financiamento dos seus círculos eleitorais ou até com a divulgação de histórias embaraçosas à imprensa, para que não apoiassem uma moção de desconfiança interna.
Wragg, que é presidente da comissão parlamentar de Administração Pública e Assuntos Constitucionais da Câmara dos Comuns, chegou a apelar aos seus colegas conservadores que contactassem a polícia. «A intimidação de um membro do Parlamento é um assunto sério», salientou, em comunicado.
Na turbulenta política britânica, não seria a primeira vez, e provavelmente não será a última, que deputados são ameaçados pelos seus líderes. De certa forma, nos bastidores, andar procura de esqueletos nos armários dos outros para usar como moeda de troca é descrito como sendo parte do trabalho. Aliás, o cargo de chefe de bancada parlamentar, responsável por manter os deputados na linha, a votar com os seus partidos, até é sugestivamente chamado de whip, ou ‘chicote’, em inglês.
«Se eu fizesse queixa cada vez que fui ameaçado por um whip, ou se um whip fizesse queixa sempre que o ameacei, a polícia não teria tempo para conduzir qualquer outro trabalho policial», troçou no Twitter o deputado conservador Michael Fabricant, um dos mais sonoros defensores de Johnson.
Contudo, desta vez a pressão sobre deputados conservadores está a ser a uma escala diferente do habitual. O principal alvo parecem ser conservadores eleitos na ‘muralha vermelha’, tradicionais bastiões dos trabalhistas em regiões mais pobres no norte do país, que Johnson conquistou nas eleições de 2019. Foram os primeiros a virar-se contra este, estando em círculos eleitorais inseguros e vendo a sua reeleição em risco devido à impopularidade de Johnson.
«O meu círculo eleitoral precisa deste dinheiro», explicou um dos deputados conservadores pressionados ao Guardian. «Eles não usaram este tipo de alavancagem antes», admitiu.
Pode ser um indício do grau de desespero de Johnson, apontado como um morto-vivo político. A discussão já não é sequer se irá às próximas eleições enquanto primeiro-ministro, mas sim quando é que sai. Está com uma taxa de desaprovação de 73%, mais baixa do que a sua antecessora, Theresa May, quando esta se demitiu, mostram sondagens do YouGov.
Mesmo entre eleitores conservadores Johnson está com uma taxa de desaprovação de 52%. Basta que 54 dos 360 deputados conservadores exijam a sua demissão para que tenha de defender o seu posto numa eleição interna – nos corredores de Westminster, especula-se que poderá reunir-se o número de deputados conservadores necessário nos próximos dias.
Aí, Johnson teria como grandes rivais à liderança dos conservadores a sua ministra dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, e o seu ministro das Finanças, Rishi Sunak. Que estão «a tentar manter a cabeça baixa», descreveu uma fonte dentro dos conservadores ao diário britânico i, mas, ainda assim, «definitivamente estão a mobilizar».
No entanto, não há qualquer indício de que Johnson esteja disposto a desistir. Pelo contrário, tudo indica que fará tudo para se manter no poder, notou o líder dos Liberal Democratas, Ed Davey.
«Tudo o que interessa a Boris é salvar a sua própria pele», acusou Davey, reagindo às denúncias de chantagem. «Está a agir mais como chefe da máfia do que como primeiro-ministro».