Por João Cerqueira – Escritor
Estava o primeiro-ministro em sua casa, a repousar da extenuante campanha eleitoral, quando toca o telefone. Era um número estrangeiro. Curioso, resolve atender.
– Hello Tony, sou o Boris da Inglaterra.
– Boris, parece que estás metido numa boa alhada…
– Tony, alguém me quer tramar e preciso da tua ajuda. Tu és o maior especialista da Europa em fugir às responsabilidades.
– Boris, tu tens cara de tolo, cabelo de tolo, mas nunca pensei que fosses mesmo tolo. Afinal, chegaste a primeiro-ministro. Com que então andaste em touradas durante o confinamento e o funeral do príncipe Philip? Isso não se faz, Boris.
– Tony, bem sabes que os jornais e as televisões inglesas não são como as da tua terra. Aqui, ninguém confunde a sua profissão com propaganda política. Aqueles que votaram em mim, são agora os que mais me atacam. É por isso que tu podes ter pertencido ao governo do Sócrates, ido de férias depois de terem morrido pessoas em incêndios e dizer que o teu país está a crescer quando na verdade estais cada vez mais pobres, que ninguém te entala com perguntas complicadas.
– Boris, a política é uma arte e o respeitinho é muito bonito.
– Tony, se tivesses sido tu a furar o confinamento, não te acontecia nada, pois não?
– Claro que não! Se calhar, até subia nas sondagens. Bem, dois ou três jornalistas iam criticar-me. Mas a maioria ficava calada, ou dizia algo que ninguém iria entender, ou então ia falar do Cavaco, do Passos ou da Merkel.
– E se perguntassem se te devias demitir?
– Nunca nenhum jornalista português se atreveu a tanto. Mas, se se atrevesse, dizia-lhe: era só o que faltava!
– Isso na Inglaterra não funciona. Há inquéritos e apura-se a verdade…
– Olha, por que não fazes uma aliança com a extrema-esquerda para te protegeres? Eles dão muito jeito quando é preciso. Só não lhes dês muita confiança…
– Nós não temos disso na Inglaterra. Ninguém leva a sério a extrema-esquerda, nem a extrema-direita. Foi por isso que nunca tivemos ditaduras.
– E se fizesses aumentos da função pública e dos reformados, depois demitias-te e ias a votos outra vez.
– Também não funciona, aqui as pessoas não se deixam enganar tão facilmente.
– E se ameaçares que sem ti será o caos político, a desgraça do povo, essas coisas…
– Diriam que parecia um sketch dos Monty Python.
– Boris, começo a perceber que não é nada fácil ser primeiro-ministro de um país como a Inglaterra. Aliás, nem entendo como é possível governar com tantos obstáculos.
– Good Lord Tony, é a democracia…
– Sim, mas não exageremos. A democracia é muito bonita, mas se a deixamos à solta, ela dá cabo de nós. Eu vou-te explicar como se faz: é preciso fazer umas leis para controlar a informação e, quando nem assim resulta, uns telefonemas para meter na linha algum jornalista atrevido; é preciso colocar a nossa gente nos órgãos que interessam e que nos podem tramar; é preciso que a maioria da população trabalhe para o Estado e, ainda que não acredites, distribuir dinheiro antes das eleições. Muuuitooo!
– Mas, Tony…
– Boris, aprende: a tua velha democracia está prestes a dar-te um chuto no traseiro, enquanto a minha jovem democracia poderá eleger-me outra vez. Qual é a melhor?
– Well…
– Pronto Boris, vai dormir. Agora tenho mais que fazer porque ainda não sei se já convenci a maioria dos eleitores de que não estamos estagnados há vinte anos, não estamos mais pobres, nem mais endividados, e que não vai ficar tudo na mesma ou ainda pior. Andam por aí alguns que se armam em ingleses.
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