‘Uh! Uh! Pouca terra, pouca terra’

Por Nélson Mateus e Alice Vieira  Querida avó, A terceira dose da vacina, ou o reforço como lhe chama, já cá canta. Não vejo a hora de voltarmos à dita normalidade. Mas a vida não pára! Temos que viver com esta realidade. Hoje escrevo-te a bordo do Alfa Pendular a caminho do Porto, cidade que…

Por Nélson Mateus e Alice Vieira 

Querida avó,

A terceira dose da vacina, ou o reforço como lhe chama, já cá canta. Não vejo a hora de voltarmos à dita normalidade.

Mas a vida não pára! Temos que viver com esta realidade.

Hoje escrevo-te a bordo do Alfa Pendular a caminho do Porto, cidade que tanto gosto. 

Sempre que vou ao Porto vou de comboio, um dos meus meios de transportes preferidos.

Entro na Gare do Oriente e em menos de 3 horas estou no centro da cidade invicta. Adoro.

Aproveito sempre para ler durante as viagens de comboio. Desta vez não foi exceção. Trouxe comigo o livro Não percas o comboio, da minha amiga Alexandra Sousa.  

Há uns anos, a Alexandra publicou o livro O autocarro das oito e vinte, um livro que conta episódios verídicos vividos pela autora nos transportes públicos.

Os leitores gostaram tanto que a pressionaram a escrever um livro alusivo às suas viagens de comboio. 

Porque a realidade supera sempre a ficção, ambos os livros relatam histórias verdadeiras mas que parecem surreais.

Para quem costuma viajar de transportes públicos, ao ler estas histórias talvez recorde outras situações que já tenha assistido.

Por falar em comboios, temos estações e apeadeiros que são dignos de contemplar. Já para não falar das lindas viagens que podemos fazer. Adoro entrar no comboio no Rossio e sair no centro da magnífica Sintra. Ou entrar no Cais do Sodré e ir até Cascais, grande parte da viagem deliciado com as lindas vistas de mar. Também já fiz a belíssima viagem de comboio entre Régua e o Porto. 

Quando for a Torres Novas, tua terra, ver se vou ao Entroncamento visitar o Museu do Comboio.

Lembro-me de ser criança e brincar com os comboios que me ofereciam ‘Uh! Uh! Pouca terra, pouca terra…’, era o que mais se ouvia durante a brincadeira.

Tu que adoras viajar de comboio também tem imensas histórias para partilhar.

Bjs

Querido neto,

Já que falaste desse livro da tua amiga, que quero ler, também tenho um episódio que aconteceu no Alfa para Aveiro para partilhar contigo.

Eu entrei em Santa Apolónia, ele entrou em Santarém.

Um vago «bom dia, com licença» e lá se sentou com o smartphone na mão.

Eu continuei na leitura do livro que levava.

A uma dada altura oiço um murmúrio ao meu lado: «grande jornalista!» e aponta para o meu livro. Fico sem palavras.

Porque o rapaz deve andar na casa dos trinta e poucos, e o livro que leio era a recente edição das crónicas radiofónicas do Fernando Assis Pacheco, que morreu há mais de vinte anos.

Ele percebeu o meu ar, e vá de me contar a sua vidinha, a paixão pelo jornalismo que sempre tinha havido na casa dos pais, ainda hoje compra um jornal todos os dias.

Vai embalado na conversa, o que é bom porque de repente, ficámos empanados no Entroncamento, e para ali estamos, parados, sem que ninguém explique o que é que se passa, como também é norma nestes casos – e uma boa conversa sempre ajuda.

O Alfa não arranca, e é então que nos mandam sair e nos enfiam num regional que para em toda a parte, e estamos ambos a ver a nossa vida a andar para trás, eu a mandar furiosos sms para explicar o meu atraso, ele com os dedos a navegarem sem descanso pelo smartphone.

Vai conversando e os dedos sempre a nadarem no écran do smartphone, e eu a fazer contas ao atraso que levamos até que… de repente… sabe da minha vidinha toda.

O meu ar a olhar para ele devia ser tão apalermado, que ele se riu, apontou para o smartphone e exclamou: «Está a ver as novas tecnologias? Já sei a sua vida toda!».

Foi então que eu entendi por onde tinham navegado os dedos dele enquanto se esperava que o Alfa chegasse ao seu destino…

«Uma grande coisa, as novas tecnologias!», repetia.

Até que finalmente chegámos a Aveiro.

Despedimo-nos, como se nos conhecêssemos desde sempre.

Diverte-te no Porto.
 

Bjs