As estimativas são de que no próximo domingo haja 1,2 milhões de portugueses em isolamento. Nem todos terão idade para votar, mas os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) permitem perceber que as camadas mais jovens são as que têm tido mais testes positivos e representarão a maioria das pessoas em isolamento profilático. Esta quinta-feira havia cerca 558 mil casos ativos no país e 573 mil contactos em vigilância (pessoas que oficialmente estão em isolamento). A idade dos contactos em vigilância não é possível saber, mas nos casos ativos é notório o peso da população abaixo dos 50 anos, que representa 81% dos novos casos de covid-19 diagnosticados no país.
Nos últimos sete dias, houve 383 mil portugueses a testar positivo para a covid-19. Destes, cerca de 130 mil são crianças e jovens até aos 19 anos, pelo que cerca de um terço dos infetados não tem idade para ir votar. A população entre os 19 e os 49 anos tem representado 48% dos novos casos, ao passado que a população acima dos 50 anos representa 18%. Se estes são os dados oficiais, é previsível que muitos mais tentaram contactar o SNS para comunicar a sua situação, seja de positivos ou de contactos com infetados, e que não estão nas estatísticas.
Extrapolando estes números dos últimos setes dias para o total nacional, podemos dizer que do milhão de eleitores confinados, era suposto que 45% se abstivesse de votar, seguindo os dados das últimas legislativas e excluindo os votos dos emigrantes, que engrossaram os cadernos eleitorais em mais de um milhão de eleitores. E aqui, continuando a seguir a metodologia dos estudos de opinião, dos confinados sobram 550 mil votantes, atendendo à suposta abstenção. Como 100 mil terão mais de 50 anos – o eleitorado supostamente mais conservador, que não gosta de mudanças –, o PS poderá sair como o partido mais prejudicado por causa da pandemia, atendendo a que os 450 mil votantes com menos de 50 anos é o eleitorado que mais apela a mudanças e que costuma estar mais imune aos confinamentos. Para onde irão esses votos é uma pergunta de um milhão de dólares, mas a pandemia poderá castigar mais o PS.
Mas a verdade é que ninguém pode antecipar como irá comportar-se no domingo esta enorme franja do eleitorado.
PS à frente, mas PSD espreita surpresa
Neste cenário, todas as previsões podem vir a falhar no dia D.
«Eu espero que o PS vença as próximas eleições e que tenha a responsabilidade da chefia do Governo. Agora, ninguém está em condições de poder prever o que é que se passa, quer o PS vença, quer não vença. Ninguém pode fazer previsões sobre essa matéria, porque estará tudo muito condicionado pelos resultados que saírem das urnas no domingo à noite», as declarações do socialista João Soares ao Nascer do SOL espelham bem o clima de incerteza que se vive em praticamente todos os partidos.
Apesar de os estudos e indicadores mais recentes, publicados ou internos dos partidos, apontarem para uma vantagem de alguns pontos percentuais para o PS, a verdade é que ninguém arrisca traçar com um mínimo grau de certeza qual o quadro parlamentar e de Governo que sairá das urnas.
Por um lado, se a vitória do PS é mais provável, ninguém exclui a hipótese de uma surpresa ‘à Moedas’, como nas últimas autárquicas em Lisboa.
Por outro lado, o equilíbrio é ainda maior quando se tem em consideração os blocos de Esquerda (PS/BE/PCP/Livre) ou de Direita (PSD/IL/CDS/Chega), com o PANna charneira.
Ouvido pelo Nascer do SOL, o politólogo Jaime Nogueira Pinto considera muito pouco provável que saia das eleições de domingo uma maioria de Direita. «Portugal é e continuará a ser o país mais à esquerda da Europa, graças a uma opinião pública e publicada cujos termos ainda dominada pela cinquentenária mitologia ‘antifascista’», começou por afirmar Nogueira Pinto, defendendo que a mesma «passou da veneração do esquerdismo marxista para o politicamente correto».
«Os partidos da direita – a direita conservadora do CDS e a direita nacional e popular do Chega –, ainda por cima desunidos, não terão a representação parlamentar e a influência que as direitas hoje têm em toda a Europa». prevê Nogueira Pinto, que apontou o dedo à «real (ou fabricada pelas sondagens) proximidade dos dois partidos do Centrão – PS e PSD» como um dos fatores que «vai roubar votos aos partidos mais à esquerda e mais à direita».
Desta forma, afirma o politólogo, não se antevê «nenhum Executivo estável». «Ao não haver maioria absoluta, que parece afastada, só a teria um Governo do Bloco Central, que não creio que os respetivos líderes arrisquem», continuou Nogueira Pinto, explicando que, à esquerda, «poderá voltar-se a uma modalidade de geringonça». Já à direita do PS, «as repetidas linhas vermelhas, que a esquerda ditou – e que o PSD e os outros partidos ‘para a direita’ aceitaram – inviabilizam também uma maioria estável alternativa».
Em jeito de conclusão, Jaime Nogueira Pinto augurou: «Não creio que haja quaisquer alternativas significativas antes de uma rutura cultural e ideológica clara».
Já Rodrigo Moita de Deus, que começou por apontar a eventual dominância do PSD e do PS como um dos elementos mais ‘engraçados’ – ironia incluída – destas eleições. «É muito engraçado. Para já, aquilo que as sondagens nos dizem é que vamos ter entre 208, 212 deputados dos dois partidos. Quer dizer que sobram 20 deputados por sete partidos. E é muito engraçado porque nós ligamos a televisão ou abrimos o jornal – muito por causa das regras – e parece que damos uma importância mediática aos outros partidos todos que eles, na realidade, depois não conseguem traduzir em votos», declarou o empresário, utilizando o exemplo para deixar um apelo aos eleitores: «Isto é qualquer coisa que nos devia fazer refletir até por causa do funcionamento do sistema».
«Damos demasiado tempo de antena a partidos e a assuntos que depois não conseguem traduzir isso em votos. Na prática estamos a falar em quase 70% de votos nas mãos do PS e do PSD e passamos a vida a discutir propostas do IL ou do Bloco ou do PAN, em vez de aprofundarmos ainda mais o debate à volta das propostas dos outros partidos», ataca Moita de Deus, acusando uma ‘inflação’ artificial da importância de outros partidos e movimentos, que, diz, «não é democrático».
Moita de Deus pede ‘entendimento’ aos dois partidos que, augura, poderão ocupar 70% do Parlamento. «Isto é um recado do país para que eles se entendam, e se eles não ouvem este recado, então teremos um Governo curtíssimo», disparou. «Quando 70% do eleitorado vota desta forma em dois partidos, é mais do que óbvio o que país quer. É que eles se entendam os dois. Não me parece que seja possível mas a estabilidade depende disso. É um recado, acho que, noutra linguagem é: acabem com a chalupice», concluiu.
Falando sobre uma eventual ‘reedição’ da geringonça, o empresário não afastou essa hipótese, dizendo que «até pode resultar». Ainda assim, há uma pedra no sapato desta hipótese: «Será sempre um Governo de vistas curtas. Não está na natureza do PS ir tão longe quanto o Bloco ou o PCP gostariam». «É um Governo curto, de um ano, dois anos», concluiu.
*com Daniela Soares Ferreira, Marta F. Reis e Vítor Rainho