Em aeroportos um pouco por toda a Europa, veem-se militares a acartar armamento destinado a Kiev. Receando uma invasão russa da Ucrânia, países membros da NATO acorreram a responder aos pedidos de auxílio, dando aos ucranianos meios com que se defender. Mas há poucas garantias quanto ao que acontecerá a toda a esta artilharia, mísseis e armas ligeiras, caso Moscovo e Washington se entendam. O perigo é que a Ucrânia – onde oligarcas, crime organizado e milícias de extrema-direita, como o batalhão Azov, têm enorme poder – vire um gigantesco mercado negro de armamento em pleno continente europeu.
Aliás, neste momento já é isso que acontece, com desvio de equipamento militar a uma escala industrial. Há uns quatro milhões de armas ilegais na Ucrânia, uma por cada dez habitantes, boa parte delas armas automáticas, estima a Small Arms Survey.
Esse contexto explosivo arrisca piorar. Alguns países, como a Estónia, dispuseram-se a oferecer ao Estado ucraniano artilharia, nomeadamente Howitzers de fabrico alemão, nada fáceis de roubar, movimentar ou vender. Mas o grosso do equipamento enviado por países europeus tem sido lança-mísseis portáteis – por trás disso parece estar a ideia que, no caso de uma invasão russa, seria mais útil aos combatentes ucranianos que fiquem atrás das linhas inimigas, numa guerrilha, o pesadelo do Kremlin.
Falamos de mísseis antiaéreos Stinger – que se mostraram devastadores contra helicópteros soviéticos nas mãos dos mujahidin, durante a ocupação do Afeganistão, nos anos 80 – fornecidos pela Lituânia e Letónia, com a bênção dos EUA, ou dos dois mil NLAW enviados pelo Reino Unido nas últimas semanas. São a última geração de armas antitanque ligeiras, avaliou a Forbes: fáceis de usar, ideais para combate urbano, com tecnologia que permite disparos seguros dentro de casa.
Não se pode dizer que não houve avisos quanto ao risco desse armamento ir parar às mãos de criminosos. Foi isso que aconteceu da última vez que a Ucrânia foi inundada de remessas de armamento, tanto vindas da NATO como da Rússia, no rescaldo da ocupação da Crimeia.
«Claro, qualquer um que tenha vontade e meios pode entrar no negócio. Os grupos de crime organizado sempre venderam armas», admitiu Olena Hitlyanska, porta-voz dos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU), responsável pelo contraterrorismo, à Reuters, em 2016. «Em anos anteriores confiscávamos pistolas ou espingardas que as pessoas tinham nas suas próprias coleções, ou para a caça. Agora são confiscados lança-granadas e blocos de TNT».
Talvez por isso o chanceler alemão, Olaf Scholz, tenha decidido bloquear o envio dos Howitzers alemães da Estónia. «Há razões para isto, que são baseadas nos acontecimentos dos últimos anos e décadas», frisou o chanceler. Duramente criticado por manter a sua política de não enviar armas paras zonas de conflito, o governo germânico acabou por anunciar o fornecimento de cinco mil capacetes à Ucrânia, mais um hospital de campanha.