Não sei bem o que lhe desejar numa situação destas», dizia-me há dias uma doente quando nos encontrámos pela primeira vez no princípio do ano que há pouco começou. E continuava: «Ninguém sabe quando nem como isto vai parar… Estamos perdidos. Nem a vacina nos salva». Tentei acalmá-la com os argumentos conhecidos, lembrando-lhe que «há mais vida para além da pandemia. Não podemos cruzar os braços. Temos que estar unidos. Cada um tem a sua missão a cumprir». E a conversa ficou por aqui.
Este é apenas um dos muitos exemplos que traduzem o estado de espírito da população. As pessoas andam assustadas, confusas e descrentes. Notícias alarmantes, pareceres contraditórios de especialistas conceituados a aparecer constantemente no pequeno ecrã – contribuindo para confundir e influenciar muita gente indecisa quanto à vacinação –, normas incongruentes e falhas constantes na organização dos serviços, lançam os cidadãos no desespero e na confusão.
Se a comunidade científica estivesse unida e falasse a uma só voz, propondo caminhos e apontando soluções, os objetivos seriam plenamente atingidos. Mas não. Fica-se até com a sensação de que os profissionais estão divididos e inseguros, deixando transparecer essa insegurança para a opinião pública. E, a continuarmos assim, poder-se-á mesmo perder o controlo da situação.
Sem falar nas muitas vítimas que este demolidor vírus já fez, nem na crise económica sem precedentes que o mundo vai ter de enfrentar, esta é a face visível da pandemia com a qual nos confrontamos diariamente.
Mas há outra. Uma mais traiçoeira, silenciosa, quase a passar despercebida e não menos devastadora. Refiro-me aos inúmeros doentes portadores de outras patologias que vão ficando para trás, bem como às consultas de rotina adiadas para mais tarde. E porquê? Por um lado, porque as pessoas assustadas com a situação que se vive preferem adiar o dever de cuidar da sua saúde, não comparecendo nas unidades de saúde; por outro, porque os médicos de família, deslocados do serviço para as múltiplas atividades covid, também não estão lá para os receber. E assim tem sido até agora.
Onde estão os doentes portadores de doenças crónicas? Que é feito, por exemplo, dos hipertensos e dos diabéticos? Já não precisam de acompanhamento? E quanto aos rastreios oncológicos, deixaram de ser necessários? E a saúde infantil? E o planeamento familiar? E o que dizer dos idosos e daqueles que estão em lares afastados do mundo e abandonados à sua sorte? As doenças cardiovasculares deixaram de fazer sentido? Os AVC são doenças do passado? E muito mais havia para dizer nesta altura difícil que atravessamos, onde só se fala de covid-19.
É preciso ter atenção a esta vertente. Cuidado com esta face da pandemia. Se é importante tentar controlá-la, não é menos importante estar atento aos ‘efeitos secundários’ que ela transporta consigo.
Por isso, há que restabelecer quanto antes as atividades próprias dos centros de saúde, onde a prevenção ocupa o papel principal. Tenhamos presente que muitos doentes já foram vítimas destes descuidos permanentes e da falta de controlo que passou a reinar após o coronavírus se ter instalado entre nós.
Com todas as cautelas e cumprindo as regras sobejamente conhecidas, a vida tem de regressar à normalidade. A vacinação é a única arma ao nosso alcance para combater a doença. Sejamos todos vacinados e sigamos à risca as recomendações da DGS. E ninguém se iluda: se não fosse a vacina, todas estas novas infeções que agora têm pouca expressão em termos clínicos teriam inevitavelmente, sem ela, outro desfecho.
Fazendo fé nas notícias que nos vão chegando, a maioria dos doentes agora hospitalizados não quis ser vacinada. Valeria a pena correr o risco?
Se há alturas em que todos devemos remar para o mesmo lado, esta é uma delas. Fiquemos unidos e ninguém perca a esperança. A vitória, por muito que nos custe reconhecê-lo, continua a estar ao nosso alcance.