Depois de Neil Young ter retirado as suas músicas do Spotify, após um ultimato ao serviço de streaming de música, que teve de escolher entre o catálogo do artista e o podcast de Joe Rogan, acusado de espalhar desinformação sobre a covid-19, Joni Mitchell e Nils Lofgren juntaram-se ao canadiano e já retiraram a sua música da plataforma, enquanto James Blunt, voz do êxito de 2005, You’re Beautiful, ameaçou que iria “lançar música nova” caso as exigências do autor de The Needle and the Damage Done não fossem cumpridas.
“Decidi retirar toda a minha música do Spotify. As pessoas irresponsáveis estão a espalhar mentiras que estão a custar a vida das pessoas. Sou solidária com Neil Young e com a comunidade científica e médica global”, expressou a criadora de Blue, álbum, de 1971, essencial na história da música moderna, num comunicado divulgado no seu site oficial.
O guitarrista dos Crazy Horse, banda que costuma acompanhar Young, e da E Street Band, de Bruce Sprigsteen, Nils Lofgren, decidiu juntar-se a estes músicos e também retirar a sua música da plataforma.
“Há alguns dias, a minha esposa Amy e eu tomámos conhecimento de que Neil e Daryl [Hannah, esposa do músico] se juntaram a centenas de profissionais de saúde, cientistas, médicos e enfermeiros para criticar o Spotify por promover mentiras e desinformação que estão a ferir e a matar pessoas”, escreveu o guitarrista no Twitter. “Irei retirar os últimos 27 anos da minha música do Spotify. Estamos a entrar em contato com as editoras que possuem as minhas músicas para removê-las também. Esperamos sinceramente que eles honrem os nossos desejos, assim como as editoras de Neil fizeram”, disse Lofgren, acrescentando ainda que “encoraja todos os músicos, artistas e amantes de música de todo o mundo a juntarem-se a si e a cortar os laços com o Spotify”.
Num tom mais humorístico e autodepreciativo, o cantor inglês, acusado ao longo da última década de produzir música “melodramática” e “desenxabida”, ameaçou que iria “lançar música nova”, exclusivamente no Spotify, acrescentando ainda “you were beautiful”, uma referência ao maior êxito da sua carreira.
A campanha dos músicos contra a plataforma de streaming tem como objetivo que esta retire episódios do podcast, Joe Rogan Experience, onde este estiver a partilhar informações falsas sobre a covid-19.
No final de 2021, Rogan, ex-apresentador do programa Fear Factor, convidou para o seu podcast, exclusivo do Spotify, o médico e virologista Robert Malone, creditado por ter desempenhado um papel na invenção da tecnologia mRNA usada em muitas das vacinas covid, uma das quais a Pfizer, mas que se tornou mais conhecido por espalhar desinformação nas redes sociais, o que lhe valeu ser banido do Twitter, devido à partilha de um vídeo sobre os alegados efeitos nocivos da vacina Pfizer.
Neste episódio, o 1757º daquele que é um dos mais famosos podcasts do mundo, que acabou por ser banido do YouTube, o médico comparou o atual clima da saúde pública nos Estados Unidos com a Alemanha dos anos 1920 e 1930, quando o país estava sob o poder do nazismo e acusou os “mandatos de uma vacina experimental de serem explicitamente ilegais”.
Pouco depois deste episódio ter sido publicado, um grupo de 270 médicos, enfermeiros, cientistas e professores dirigiram uma carta aberta ao Spotify pedindo que esta “estabelecesse uma política clara e pública para moderar a desinformação” relacionada com o conteúdo publicado sobre este vírus.
Também o diretor da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, apoiou a decisão do autor de discos icónicos como Harvest ou On The Beach. “Obrigado por fazer frente à desinformação e imprecisões em torno da vacinação contra a covid-19. Setor público e privado, todos temos um papel a desempenhar para acabar com a pandemia, do vírus e da desinformação”, escreveu o diretor da OMS no Twitter.
Queda na bolsa Apesar dos responsáveis pela plataforma de streaming não se terem alongado muito no assunto, afirmando, apenas, em comunicado, que lamentavam a decisão de Neil Young, esperando “recebê-lo de volta em breve”, o silêncio e a escolha do Spotify, segundo especialistas, teve um efeito na bolsa de mercados, com as ações da empresa a baixarem cerca de 25% do seu valor.
Apesar deste mercado estar em queda como um todo, como se pode ler na revista Barron’s, a posição controversa está a causar preocupações nos investidores do Spotify, escreve a Forbes, cujas ações já caíram 45% em valor, em relação ao ano passado, especialmente se outros artistas seguirem os passos de Young e Mitchell.
“Embora ainda seja o maior serviço de streaming de longe, o Spotify tem vindo a perder, lentamente, a participação de mercado para os seus rivais. A adição de podcasts a este serviço foi feito para reverter esta tendência, mas podem vir a piorar as coisas, empurrando o Spotify para a linha de frente de uma guerra cultural”, escreve o Guardian. “Apesar de, presumivelmente, a empresa ter calculado que o benefício financeiro de ficar com Rogan supera o custo de reputação, muitos usuários cancelaram as suas assinaturas premium”, citando o caso do famoso crítico de música do YouTube, Anthony Fantano.
Mesmo que ainda mais nenhum artista tenha expressado a vontade de retirar a sua música da plataforma, há músicos que apoiam a decisão de Young, como é o caso de Sebastian Bach, que criticou todos os artistas que se colocam do lado de Joe Rogan. “Imaginem considerarem-se músicos e apoiar um tipo qualquer com um podcast em vez de Neil Young”, escreveu o ex-vocalista do grupo Skid Row no Twitter, citado pela Loudwire.
Ao longo da sua carreira, que se extende há mais de 50 anos, Young tem sido um constante ativista pelos direitos humanos, uma das suas músicas mais famosas, Ohio, criada enquanto este era membro dos Crosby, Stills, Nash & Young, foi escrita após os tiroteios do estado de Kent, onde quatro estudantes, que participavam numa manifestação pacífica contra a guerra no Vietname, foram assassinados por militares do Governo dos Estados Unidos
No comunicado, o músico de 76 anos, que não exigiu que os episódios de Joe Rogan fossem removidos, pediu que todas as suas músicas fossem retiradas da plataforma. “Eles [Spotify] têm Rogan ou Young. Não os dois”, acrescentou o artista, cujo último álbum, Barn, foi lançado no final de 2021.
O podcast de Joe Rogan (“The Joe Rogan Experience”) acumula milhões de reproduções – o comediante assinou um contrato de cerca de 100 milhões de dólares (cerca de 88 milhões de euros) com o Spotify na 2021 –, mas é acusado de ser um veículo que vende teorias da conspiração e desinformação, especialmente sobre a covid-19.
Esta não é a primeira vez que músicos se insurgem contra o Spotify, partilhando uma posição “ambivalente” com a plataforma de streaming, tal como escreve o Guardian. “Alguns músicos estão gratos por o Spotify ter salvo a indústria da música após uma década de pirataria digital e vendas em queda, mas outros afirmam que as suas míseras taxas de royalties favorecem apenas a elite de superestrelas”, explica Dorian Lynskey.