Três mil tropas americanas estão a caminho da Polónia, Alemanha e Roménia, juntando-se às 8500 tropas que Washington tem em alerta no continente europeu, preparando-se para uma eventual invasão russa da Ucrânia com outros contingentes da NATO.
Apesar de tanto os EUA como a NATO terem posto de lado a hipótese de intervir com tropas no terreno, caso haja uma invasão da Ucrânia, trata-se de um “passo destrutivo”, que apenas “aumenta a tensão militar e reduz a margem para uma decisão política”, acusou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russos, Alexander Grushko, cujo Governo tem mais de cem mil militares na fronteira com a Ucrânia. Tendo sido noticiado que trinta mil seguiram para a Bielorrússia, ficando estacionados muito próximo de Kiev.
O certo é que de ambos os lados flete-se os músculos, enquanto diplomatas tentam obter uma solução negociada, que parece cada vez mais improvável. Putin continua a exigir, como condição mínima, que a NATO recuse a Ucrânia como Estado membro, e a aliança recusa sequer contemplá-lo, não estando à vista nenhum compromisso possível. Mesmo com sucessivos chefes de Executivo a aterrar em Kiev, com garantias de apoio ou mediação para o conflito.
A mais recente visita foi do autoritário Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Que aproveitou para assinar um acordo comercial com o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, esta quinta-feira enquanto se oferecia para receber uma cimeira entre Kiev e Moscovo na Turquia. Erdogan caminha na corda bamba, entre o apoio à Ucrânia e a sua estreita proximidade com Putin, uma relação com muitos altos e baixos.
Por um lado a Turquia, um país membro da NATO, foi alvo de duras críticas dos seus parceiros, por comprar os sistemas antiaéreos S-400 russos, levando até a ameaças de que os turcos pudessem acabar expulsos da aliança. Por outro lado, Putin não ficou nada satisfeito por Erdogan recentemente ter vendido Bayraktar TB2 à Ucrânia. Afinal, trata-se do mesmo modelo de drones turcos usados pelo Azerbaijão para desfazer as defesas da Arménia, um país aliado da Rússia, em Nagorno-Karabakh, no final de 2020.
Se é verdade que os generais ucranianos têm gabado o poder dos Bayraktar TB2, vendo-os como essenciais para enfrentar os separatistas russos de Donbass, no leste da Ucrânia, ao mesmo tempo o Governo mostra-se preocupado com o TurkStream, um gasoduto entre a Rússia e a Turquia, inaugurado em 2020, que arrisca diminuir a importância da Ucrânia como ponto de passagem de gás natural russo – e, como tal, tornando mais provável uma invasão russa.
Poderia parecer que Erdogan tinha tudo para funcionar como mediador relativamente imparcial, mas até agora o Kremlin não mostrou interesse nisso. Nem a Casa Branca, que aposta em negociações diretas, evitando que terceiros participem no processo diplomático.
Talvez por isso o papel dos países europeus – os vizinhos que teriam de lidar com os impactos de uma guerra na Ucrânia mais de perto – nesta crise tenha sido tão secundário.
“As pessoas frequentemente descreviam a UE como um gigante económico, mas também como um anão político e uma minhoca militar”, descreveu o próprio responsável pela política externa da União Europeia, Josep Borrell, citado pela Associated Press. “Sei que é um clichê. Mas como muitos clichês, no fundo tinha um elemento de verdade”.
Isto apesar dos sucessivos apelos do Presidente francês, Emmanuel Macron, instando que a UE encete as suas próprias negociações com a Rússia. Ao longo destes últimos dias, Macron tem tido sucessivas conversas telefónicas com Putin, estando até a ponderar visitar Moscovo.
“Primeiro, a coisa mais importante é continuar a coordenação europeia”, considerou o Presidente francês, quarta-feira, anunciando no dia seguinte que queria encontrar-se com o Presidente polaco, Andrzej Duda, e com o chanceler alemão, Olaf Scholz para discutir a situação. Depois disso, “é preciso continuar as discussões com o Presidente Putin e com o Presidente Zelensky”, rematou Macron.
Enquanto Macron se mostra como a voz da diplomacia europeia, talvez pretendendo ganhar destaque num ano de presidenciais, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, mostra-se a linha dura contra a Rússia.
Johnson – que enfrenta uma enorme quebra de popularidade pelas suas festas durante o confinamento, pedindo publicamente à oposição que esquecesse o escândalo e se focasse nas tensões na Ucrânia – já ordenou o envio de milhares de mísseis antitanque para Ucrânia, que visitou esta semana. E esta quinta-feira fez questão de anunciar que tinha ligado a Putin, para o avisar que, caso a “atual atividade hostil da Rússia” resultasse numa invasão da Ucrânia, isso seria um “trágico erro de cálculo”, descrevia o comunicado de Downing Street.
Já o Governo português ainda está a preparar a sua resposta à exigência da Rússia de que cada Estado membro da NATO e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) clarifique a sua posição relativamente à crise na Ucrânia. A carta do Kremlin “está a ser analisada e merecerá, naturalmente, resposta”, garantiu uma fonte no Ministério dos Negócios Estrangeiros à Lusa.
Entretanto, não há indicações de que as tensões acalmem tão cedo. Do lado da Rússia, “a lógica é simples”, salientou uma fonte bem posicionada no Kremlin à Times, explicando o que Putin queria da NATO.
“Se não os assustarmos, não vamos obter uma solução clara, simplesmente porque é assim que o sistema ocidental funciona. É muito difícil para eles chegar a um consenso em qualquer assunto. Têm todas estas peças em movimento, cada uma a puxar para um lado”, descreveu. “O objetivo é apresentar uma ameaça com consequências tão grandes que obriga toda a gente do outro lado a concordar”.