Uma vez, no final de um banquete, ao perceber que ainda chegavam mais travessas, exclamou: «Se não se importam, levo os restos em dinheiro!». Chamaram-lhe: O Maior Aldrabão do Mundo. Com razão!
Phineas Taylor Barnum foi, seguramente, um grande manipulador da verdade. Com isso fez fortuna e tornou-se conhecido. E ganhou o estatuto de maior homem do espetáculo do universo. Milhões de pessoas visitaram o seu circo ambulante e o Museu Americano, que criou em Nova Iorque com as curiosidades mais mirabolantes. É um personagem suculento!
Já escrevi nestas páginas a história da sua vida, mas hoje vem outra vez à baila pela importância que teve na carreira de dois australianos que se tornaram famosos nos Estados Unidos como figuras circenses, embora Barnum também não tivesse qualquer tipo de escrúpulos em relação à matéria em causa.
Tanto assim que o seu primeiro espetáculo, datado de 1843, anunciava: «A maior curiosidade do Mundo, o fenómeno mais fantástico para os americanos – Joyce Heth, a ama do nosso primeiro Presidente, General George Washington, tem cento e sessenta e um anos como o provam documentos autênticos. Está na posse de todas as suas faculdades mentais, conta histórias sobre o seu pequeno George, é alegre e saudável e pesa apenas vinte e cinco quilos». Suficientemente extraordinário para espantar Nova Iorque!
Joyce Heth era uma negra horrenda que Barnum descobrira em exibição numa feira de curiosidades em Filadélfia. Comprou-a ao homem que a exibia e trouxe-a para Nova Iorque.
Joyce falava com o público, respondia a perguntas sobre George Washington, e sempre que era apanhada em contradições, Barnum desculpava-se com a sua natural falta de memória. Além disso, Barnum escrevia cartas inflamadas para os jornais, sob vários pseudónimos, contestando a veracidade da velha. O seu princípio era o de que era necessário falar-se muito dos seus fenómenos. Mesmo que fosse para dizer mal.
Quando Joyce Heth morreu, Barnum promoveu um espetáculo com a sua autópsia: o público pôde, finalmente, assistir ao vivo à confirmação da idade da ama de George Washington, o pai da nação. O médico chamado para a autópsia declarou que Joyce não tinha mais de 80 anos. Phyneas Taylor Barnum não se importou. Fizera barulho, cumprira a sua missão.
Quarenta anos mais tarde, P.T. Barnum tinha agentes um pouco por todo o mundo que lhe traziam os seres (mesmo humanos) mais intrigantes que pudessem encontrar. Um deles chamava-se Robert A. Cunningham e viajava por Hinchinbrook e Palm Islands, na província de Queensland, na Austrália, onde se deparou com um prometedor Congresso das Estranhas Tribos, no qual participavam desde os zulus, da África do Sul, os teba, do sul da Índia, os sioux da América, aos núbios do Egipto. Robert esfregou as mãos, certo de que teria algo para vender ao Barnum & Bayley’s Circus, o projeto que P.T. tinha posto em andamento. O conceito de circo era algo muito lato. Na verdade tratava-se mais de uma feira ambulante de excentricidades.
Os Canibais da Austrália
Barnum gostava dos extremos. Apresentava Jumbo – O Maior Elefante do Mundo e contrapunha-lhe General Tom Thumb – O Homem Mais Pequeno do Mundo.
Tom Thumb transformou-se numa das raridades mais apreciadas por P.T. Barnum. Thumb não tinha nada de muito especial: era apenas um menino com problemas de crescimento – aos cinco anos media 60 centímetros. Para Barnum passou a ser Um Anão Com 11 Anos de Idade e ensinou-lhe discursos extraordinários. Com eles e com as roupas com que passou a vesti-lo – de anjo; de gladiador; de Napoleão; de faraó; de índio – embasbacava plateias.
Cunningham forneceu-lhe, para juntar à coleção, seis homens, duas mulheres e um rapaz aborígenes de um clã de Wulguru, que despachou de Sidney para Nova Iorque de navio. Tambo era o único do grupo que sabia falar inglês. Barnum chamou-lhes osCanibais da Austrália. Na sua apresentação, em Chicago, atuaram juntamente comJumbo, fazendo piruetas, gritando uns para os outros no seu dialecto, e atirando boomerangs que iam e regressavam docilmente às suas mãos.
Mais de 30 mil pessoas juntaram-se para ver Tambo e a sua família e horrorizarem-se perante o perigo que (não) representavam. Foram passeados como bichos de um lado ao outro dos Estados Unidos, e P.T. não se cansava de gabar a suprema educação que incutira naqueles selvagens terríveis que não passavam de gente educada de forma diferente. Vesti-los com trajes de cowboys ou de príncipes foi o passo seguinte. A imaginação do Maior Aldrabão doMundo não tinha limites.
Cunningham manteve-se na Austrália por mais uns anos, confiante de que poderia descobrir mais algumas peças de valor para o circo de Barnum, mas foi já depois da morte de Phineas Taylor (7 deAbril de 1891) que deu de caras com uma figura que viria a fazer furor no Ringling Bros. Circus, nome que o Barnum & Baileys ganhou aquando do desaparecimento dos dois estouvados mas milionários sócios.
A personagem teria feito delirar Barnum: um rapazinho de 7 anos de Lightning Ridge, Nova Gales do Sul, que fazia maravilhas sobre uma corda num espetáculo ambulante familiar conhecido por os Collinos. O nome italianizado escondia a ascendência dos seus participantes, o casal Cornelius Sullivan e Julia Vitorine Sullivan, e seus filhos, todos pintados com farinha para esconder o tom escuro da pele. O garoto tinha o mesmo nome do que o pai, Cornelius Sullivan, mas não tardaria a fazer-se famoso pela alcunha artística de Con Colleano.
O rapaz do arame
Cornelius pai era natural de St. Thomas, nas Índias Ocidentais Dinamarquesas. A mãe era da tribo aborígene dos bundjalung. Cornelius era o terceiro de uma caterva de dez irmãos. Com o crescimento dos fedelhos e o seu aprimoramento em diversos truques circenses, os Collinos transformaram-se nos Colleanos All-Star Circus, deslocando-se na sua própria carruagem de comboio por todo o sul da Austrália. Os dez irmãos apresentavam-se como sendo TheRoyal Hawaian Troupe.
Sempre empalidecido por conta do pó-de-arroz caseiro, Con Colleano aprendeu a dar saltos mortais sobre a corda e a sua fama cresceu ao ponto de ser convidado a atuar a solo num programa de televisão e a participar do famoso (localmente) TivoliCircuit, um espetáculo de vaudeville a nível nacional. Os irmãos seguiram-lhe as passadas e os Colleanos separaram-se. Oito deles transformaram-se nos Eight Akbar Arabs. Não sei o pavor que aquela gente teria aos aborígenes para fazerem um esforço tão grande para não serem uns deles (ou até sei, era por causa da White Australian Policy), mas a verdade é que parecia valer tudo, desde havaianos a árabes. E Con nunca deu o braço a torcer. Não há fotografia em que não surja pintado como uma madama de cabaré. Enfim, gostos não se discutem.
Finalmente, Cunningham conseguiu exportar Con Colleano para os Estados Unidos. Já não era o miúdo que teria encantado o gosto excêntrico de P.T. Barnum. Era um moçoilo elegante que viajou com a namorada, uma bailarina chamada Winifred Constance Stanley Trevail, Winnie para os admiradores. Com ela, Con aprendeu muitos passos que, depois, repetia sobre a corda ou sobre o arame, fosse qual fosse o caso. Na viagem feita através do Índico e do Atlântico, atuou na África do Sul onde ainda foi anunciado como um fenómeno australiano mas, na chegada aos Estados Unidos já se enfiara na pele de um espanhol, um toreador em traje de luces, a maneira como resolvera vestir-se para tornar as suas proezas mais espetaculares.
Em Abril de 1924, Nova Iorque pôde vê-lo e ficar cega com o brilho das lantejoulas, no Hipódromo da cidade, sob as luzes do Ringling Bros & Barnum & Bailey’s Circus. Atingira o estrelato. Após encenar uma luta de touros e de ter bailado como um sevilhano, Con fechava o programa com as suas incríveis e perigosíssimas habilidades no arame sem rede, as quais já incluíam o inédito triplo mortal consecutivo. Era o Toreador do Arame. O cognome colou-se-lhe e deu um jeitão. Parecia ter sido criado para ele de propósito pelo velho Phinneas.
O mau feitio de Con
De 1930 até á fase final da I Grande Guerra, Con Colleano manteve-se como figura maior do Ringling Circus. Era pago de forma principesca e embolsava qualquer coisa como mil dólares por semana. Nunca os seus espetáculos sob a grande tenda tinham menos de 16 mil espetadores. Deu uma volta imperial à Europa, ainda antes da guerra ter início, e foi brindado, em Berlim, com os aplausos de Adolf Hitler, uma figura que não teria ficado mal por entre as esquisitices de Barnum, sobretudo lado a lado com o hipopótamo nomeado de O Grande Bahemoth das Escrituras, as pulgas que puxavam carroças e carruagens ou da mulher com cento e oitenta quilos que passou a ser A Mulher Mais Gorda do Mundo. O Homem do Bigodinho Ridículo poderia ombrear com a rapariga de dois metros e quarenta – A Mulher Mais Alta do Mundo – e com um rapaz magríssimo – O Esqueleto Humano.
Já Con não ombreava com ninguém. De feitio orgulhoso, com um toque requintado de vaidade, muito empoeirada, Deus o valha!, resolveu voltar para a Austrália e encerrar a carreira com uma série de performances noTivoli Circuit. Depois, sempre caprichoso, voltou atrás na decisão. Regressou aos Estados Unidos para fazer um programa de televisão no Texaco Star Theater. Estávamos já em 1952 e os seus 53 anos (nasceu no dia 26 de Dezembro de 1899) não ajudavam muito no excesso de riscos sobre a corda.
O Toreador envelhecia a olhos vistos e o público não o adorava como nos seus tempos de jovem espanhol aldrabado. Amuou. Apesar de ter conseguido, junto com Winnie, entretanto sua mulher, a cidadania norte-americana e ter comprado uma quinta enorme na Pensilvânia, embarcou de novo com destino a Sidney. Os irmãos não se importaram. Os que continuavam vivos, instalaram-se na quinta e foram, de quando em vez, interpretando sessões de circo para os vizinhos, mantendo a alegria da infância e dos seus dias como TheRoyal Hawaian Troupe.
A Austrália também pareceu não o querer mais. Comprou o Albion Hotel, em Forbes, Nova Gales do Sul, mas tinha tanto ou tão pouco jeito para o negócio que se viu na falência no espaço de ano e meio. Vai daí e fez-se outra vez ao mar e à América. Ignorado por todos a quem bateu à porta em busca de um trabalho como apresentador de espetáculos, desistiu de vez de Nova Iorque e instalou-se em Honululu, no Havaí. Fazia todo o sentido.
O Feiticeiro do Arame veio a morrer em Miami, em 1971, nunca reconhecendo a sua etnia aborígene. Enfarinhou a cara e as mãos até partir desta para melhor (vá lá saber-se), rebelando-se dessa forma contra o Commonwealth Franchise Act de 1902 que retirava os direitos a todos os habitantes indígenas da Austrália, exceto aos maóris. Para aqueles que o viram bailar sobre uma corda, dando saltos mortais ou fingindo chicuelinas perante um miúra de 700 quilos, Con Colleano era espanhol. Apareceu como espanhol e desapareceu como tal. Paz à sua alma.