À primeira vista, poderia ser um dia como qualquer outro na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, não fossem todos os jornalistas, fotógrafos e cameraman que lá apareceram. Mas sexta-feira podia ter sido uma tragédia, caso os planos de João, que a Polícia Judiciária anunciou ter frustrado, se tivessem realizado. Este jovem de 18 anos, estudante do primeiro ano de informática, descrito como obcecado pelos tiroteios em escolas americanas, é acusado de planear atacar os colegas, tendo sido apreendidas em sua casa armas, como facas, catanas e até uma besta, além de botijas de gás e gasolina, que a PJ considera que poderiam servir como explosivo improvisado.
«Não estou surpreendido», admite Lucas Marshall, um dos poucos colegas de curso que conhecia João. Falou com o Nascer do SOL à porta do anfiteatro onde ia fazer o exame de segunda fase de programação, à uma da tarde, considerado como alvo mais provável para um potencial ataque.
«Das poucas interações que tive com ele, foi sempre estranho, ansioso, distante», explica. «Uma vez perguntei-lhe quando é que tínhamos teste, onde é que ia ser, e ele entrou quase em pânico total. Via-se muita ansiedade em relação aos colegas e a atividades sociais».
É uma descrição que bate certo com o retrato traçado pela PJ, de um jovem solitário e introvertido. Oriundo da aldeia de Lapa Furada, perto da Batalha, vivia sozinho nos Olivais, em Lisboa, e estava imerso em chats online sobre violência e tiroteios em escolas nos EUA. O que seria detetado pelo FBI, habituado a lidar com ‘lobos solitários’, e comunicado às autoridades portuguesas.
A operação que se seguiu, impedindo uma «ação terrorista», segundo descreveu a PJ em comunicado, culminou na detenção de João, que recebeu ordem de prisão preventiva, que se manteve calado durante toda a sua audiência no Campus de Justiça, antes de seguir para o Estabelecimento Prisional de Lisboa.
O jovem referiu ser vítima de bullying por colegas de faculdade, avançou o Correio da Manhã, que apontou a vingança com um dos motivadores do plano.
«Eu não sei quanto a vocês», responde Marshall, olhando para os seus colegas em redor da mesa, que todos dizem nunca ter conhecido João. «Nunca notei qualquer tipo de bullying ou interações agressivas com ele», assegura. «Nunca o vi com muitas pessoas, mas ele às vezes tentava interagir com pessoal do curso. E ninguém lhe dizia para ele se ir embora, acho».
Crise de saúde mental
Enquanto o diretor da FCUL prometia reforçar a oferta de apoio psicológico aos alunos, em colaboração com a Faculdade de Psicologia e o departamento médico da Universidade de Lisboa, surgia a especulação quanto ao estado da saúde mental de João, e que papel teria no seu alegado plano.
São questões que são recorrentemente colocadas no rescaldo de incidentes deste género, quando tentamos perceber o que motiva ‘lobos solitários’. E a resposta dos peritos é invariavelmente a mesma: doença mental não significa propensão para a violência. Antes pelo contrário, as pessoas que sofrem de doença mental estão elas próprias desproporcionalmente vítimas de abusos.
«Temos de ter muito cuidado sobre os aspetos que estamos a sublinhar», frisa Mauro Paulino, psicólogo clínico e forense. «Porque nem todas as pessoas que estão isoladas, ou que têm síndrome de Asperger, como já foi dito que ele tinha, estão em casa a navegar na dark web e a planear matar. Há aqui outras condições que têm de ser devidamente ponderadas».
Ainda assim, importa ter em conta que com uma crise de saúde mental no ensino superior devido à pandemia – 46% dos jovens entre os 18 e os 25 anos estão preocupados em sofrer disso, mostrou um inquérito da Allianz – o risco destes incidentes pode aumentar. «À medida que aumenta a vulnerabilidade, estamos a permitir que jovens possam estar mais permeáveis a conteúdos de violência, a conteúdos extremistas», alerta Paulino.
Medo entre exames
Tendo em conta que é época de exames, talvez a FCUL estivesse um pouco mais vazia que o costume. Contudo, ainda encontrámos jovens de apontamentos na mão, nervosos e a beber sofregamente café, enquanto as mesas do Minicampus, a loja de conveniência ali perto, estavam cheias de alunos a relaxar entre copos de cerveja.
No entanto, o tema de conversa era sempre o mesmo, o choque de serem informados que a sua vida poderia ter estado em risco. Ou o debate sobre se os exames deveriam ou não ter sido cancelados, pouco depois do diretor da FCUL garantir numa conferência de imprensa, sem direito a perguntas, que «a segurança dos alunos e funcionários nunca esteve em causa». E que as atividades escolares continuariam a funcionar como habitual.
«Toda a gente pensa: ‘O que seria se eu estivesse cá hoje e não se tivesse sabido disto’», diz Luís Borges, presidente da associação de estudantes da FCUL.
Este estudante de engenharia física salienta que «o estado em que os alunos fazem os exames podem afetar os resultados», tendo conhecimento de vários colegas que não apareceram na sexta-feira, por receio ou por terem os pais a implorar que não fossem à faculdade. Daí que lhe parecesse fazer sentido adiar as avaliações, frisando que se está contabilizar a taxa de comparência de estudantes inscritos – ressalvando que «há sempre pessoal que não aparece nos exames» – para avaliar se deverá haver algum tipo de ajuste na avaliação.
«Foi um choque ao início, agora está a acalmar, estamos a tentar lidar com o medo inerente», explica Borges. «Isto é uma coisa inédita em Portugal, ninguém estava à espera».