Todos os dias escuto muitas pessoas! Há mais de vinte anos que as escuto… há mais de trinta que me escutam a mim. Escutar e ser escutado faz trazer a palavra à boca que dá um sentido à nossa existência. No entanto, qual é o sentido? Que sentido tem a nossa vida?
Há como que uma penumbra que nos cobre de um sem sentido do próprio sentido e precisamos de entrar dentro de nós para encontrarmos a nossa identidade. Quem sou eu? Para que vivo? Para onde caminho?
Cada dia me vejo confrontado com a existência de uma angústia que domina a nossa própria existência. Não é apenas a existência da angústia, mas a angústia da própria existência, isto é, a existência de um aperto da alma que nos consome o sem sentido de nós mesmos.
Mas como não sentir o absurdo da existência? Como não sentir o sem sentido?
Ao longo dos meus mais de quarenta anos de vida vejo-me confrontado com um facto: o mundo não tem lugar para a ingenuidade, para a infância, para a pureza. Parece que tudo o que dizemos está carregado de um peso de absurdo que nos obriga a pensar sobre o que havemos de não dizer. É que nós já nem pensamos apenas o que vamos dizer, mas o que não dizer…
Hoje, não temos a PIDE. Não temos! Não temos censura. Não!
Hoje, temos uma coisa ainda mais angustiante: a autocensura.
Cada palavra que dizemos, ou não dizemos, é sujeita das interpretações mais rebuscadas, como se de uma psicose coletiva se tratasse.
Noutros tempos a Igreja via pecado em tudo o que saia da boca humana… tudo era pecado… tudo estava carregado de uma carga concupiscente que não permitia ser livre.
Hoje somos livres da Igreja e do pecado!!!
Mas será que o somos? Livres? Mesmo livres?
Hoje não vemos pecado em nada… porque ninguém nos limita a nossa ação. Quem diz o que é bem e o que é mal é a Assembleia da República. Nem é propriamente o Povo… mas os deputados que decidem por nós.
Já não há bem, nem há mal!
O que vemos, de verdade, é que o pecado foi substituído por uma penumbra de malvadez que não deixa o homem ser livre.
Lembro-me dos filmes de policias. Quando o polícia americano prende alguém, lê os direitos: «O senhor tem o direito de estar calado. Tudo o que disser será usado contra si. Tem direito a um advogado».
É quase assim que estamos hoje…
E porque digo eu que é quase assim que estamos hoje e não digo é assim que estamos hoje? Simples! Nós temos o direito de estar calados e sabemos que tudo o que dissermos pode ser usado contra nós. Mas hoje, na realidade, não temos direito a um advogado… Hoje somos acusados de tudo sem nos podermos defender do quer que seja…
Esta cultura que vê mal em tudo e em toda a parte já esteve na Igreja. Agora passou para o mundo… que nos vai engolir a todos… vai-nos trucidar… esmagar… angustiar…
Triste mundo que nos libertou para nos prender, sem direito a um advogado!
Como precisamos de escutar uma boa notícia, hoje! Como precisamos de entrar dentro de nós e ir ao encontro de nós mesmos, das nossas angústias mais profundas e dar-lhes um sentido. Precisamos, mesmo, de dar um sentido às nossas angústias, ao absurdo!
Se o absurdo nos continuar a dominar, nunca nos libertaremos desta escravidão.
Precisamos de voltar a olhar para o homem a partir da criança que há em nós. Seguir o que Jesus disse: «Sede simples como as pombas e astutos como as serpentes» (Mt 10, 16).
Isto é engraçado… como as serpentes somos… mas falta-nos a simplicidades das pombas!