Por Elsa Severino – Arquiteta Paisagista
Alguma Coisa Tem de Chover
Título do livro de Karl Ove Knausgard
Esta tem sido a nossa atitude perante o ciclo hidrológico, de uma grande passividade, inércia, por vezes falta de conhecimentos científicos, e apostas erradas nas plantações florestais e explorações agrícolas de regadio, sem ter em conta a sustentabilidade dos nossos recursos aquíferos, admitindo sempre que a Natureza irá compensar os nossos erros. Quantas vezes ouvimos – «alguma coisa tem de chover»!…
Os cientistas dizem-nos que «a forma como a água se distribui no espaço e no tempo, deverá condicionar a política de uso da mesma e todas as atividades no país». Isto prende-se com uma correta inventariação dos nossos recursos aquíferos e as necessidades de água em cada distrito, ou por bacia hidrográfica.
Para tal, temos de conhecer a nossa realidade – o nosso clima é consequência da influência mediterrânica e atlântica; no primeiro caso, é responsável por elevadas temperaturas e reduzida pluviosidade a sul e este do país; por sua vez a influência atlântica, faz-se sentir especialmente no Inverno e nas regiões do noroeste português, originando precipitações elevadas. Também devemos ter em conta as três grandes zonas geográficas naturais no país: zona norte atlântica; zona norte transmontana e a zona sul mediterrânica. Outras características com enorme influência na ocorrência das águas são a ‘geologia, a orografia e a hidrografia’, donde ressalvamos as regiões que apresentam maior permeabilidade: as orlas costeiras de Lisboa a Aveiro, assim como as bacias do Tejo e do Sado, e também algumas formações permeáveis no distrito de Évora e de Beja. Este cruzamento de dados é fundamental, no sentido de preservar a todo o custo as áreas de máxima infiltração, para a recarga dos aquíferos, mas também definir de uma forma sustentável, as várias atividades económicas em cada região. A par destas características, que deveriam orientar as ações sobre o território, temos outro importante dado relativo às bacias hidrográficas dos nossos rios. As principais bacias hidrográficas luso-espanholas correspondem aos rios Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana, e somente 22% da área total encontra-se em território nacional. Este facto condiciona as nossas disponibilidades de água doce devido, em parte, à impossibilidade de monitorizar as bacias hidrográficas em território vizinho, mas também porque descuramos, por completo, todas as bacias hidrográficas em território nacional. Somente através de uma caracterização rigorosa das bacias hidrográficas portuguesas e luso-espanholas teremos dados precisos das disponibilidades de água doce em Portugal continental, tão necessária às crescentes necessidades da agricultura, da indústria, do consumo doméstico, do turismo e de muitas outras atividades. Uma relação construtiva com Espanha é determinante para a nossa disponibilidade e qualidade de água doce.
«Si vous voulez de l´eau faites des bois»!
Paul Descombes
Sem floresta clímace não há água disponível, não há poços e nascentes, não há o necessário armazenamento de água nas albufeiras.
As bacias hidrográficas dos nossos rios, as nossas encostas, estão paulatinamente a ficar desarborizadas, por uma constante e abusiva destruição das espécies clímaces, mas também devido aos fogos florestais. Quando se verifica a replantação é apenas à base de espécies exóticas, como o eucalipto, que tem efeitos nefastos no binómio água-solo e na biodiversidade. A erosão dos solos associada a estas e outras atividades, é já uma realidade trágica no nosso país.
Em jeito de conclusão, e sabendo que o tema não se esgota aqui, diremos que:
– é urgente a elaboração de um plano nacional dos nossos recursos hídricos;
– é urgente definir as necessidades de água, em função das nossas disponibilidades, e nunca através de políticas aleatórias, fruto de interesses corporativos;
– é urgente aumentar a infiltração de água, a conservação do solo, a proteção das zonas de recarga dos aquíferos, a diminuição da erosão. A água é o ‘sangue’ das regiões com chuvas irregulares e temperaturas elevadas, bem patentes na região sul mediterrânica;
– é urgente apostar na floresta clímace e na flora indígena, clímace, com vista ao aumento da biodiversidade, da conservação, imperiosa, do solo e da água.
Sem floresta clímace, não há água!
É urgente a implementação de uma política ambiental esclarecida e independente, com vista ao desenvolvimento do país, à mitigação das alterações climáticas, e à manutenção da vida na Terra.