Os residentes de Roterdão não estão nada satisfeitos com a notícia de que a histórica ponte de Koningshavenburg pode ser demolida para deixar passar o gigantesco iate do fundador da Amazon, Jeff Bezos. E até já se organizam nas redes sociais para atirar ovos podres à passagem da embarcação. «Começou mais como uma piada entre amigos», explicou Pablo Strörmann, um dos organizadores do evento no Facebook, que entretanto virou viral, numa demonstração do crescente descontentamento com o poder dos bilionários, que, no total, ficaram 1,6 biliões de dólares (1,4 biliões de euros) mais ricos em 2021, segundo a Forbes, enquanto o resto do planeta sofria com a crise económica causada pela pandemia. No que toca a bilionários como Bezos, em tempos o homem mais rico, hoje o terceiro, com 188 mil milhões de dólares, ultrapassado por Elon Musk e o francês Bernard Arnault, parece que as regras que regem o comum dos mortais não se aplicam, queixou-se Strörmann ao NL Times.
«Normalmente é ao contrário. Se o teu navio não cabe debaixo de uma ponte, fazes um navio mais pequeno. Mas quando acontece seres a pessoa mais rica no planeta, simplesmente pedes ao município para desmantelar um monumento», salientou. «Não é só o dinheiro que conta».
No entanto, para a Câmara Municipal de Roterdão é exatamente disso que se trata. O executivo, que está nas mãos dos trabalhistas, tem defendido que a manobra pode trazer empregos no setor marítimo para a região, após boa parte ter sido deslocalizado para a Ásia. «Além disso, acho que é bom que podemos tirar algum dinheiro a Bezos e colocá-lo na região», reforçou Denis Task, deputado municipal dos trabalhistas, ao canal local Rijnmond.
No cerne do problema estão as dimensões incríveis do iate de Bezos, e o carinho que os habitantes de Roterdão nutrem pela ponte de Koningshavenburg, afetuosamente conhecida como De Hef. O iate à vela que o fundador da Amazon mandou construir, por agora conhecido como Y721, será o maior do mundo, com 127 metros. Custou até 500 milhões de dólares (quase 440 milhões de euros), tendo até o seu próprio iate de apoio acoplado e um heliporto. Mas é grande demais para manobrar desde o estaleiro onde está a ser construído, em Alblasserdam, passando através de Roterdão por baixo da De Hafe, a única via até ao mar. Daí que tenha sido proposto desmantelar a parte central da ponte, não se sabendo ainda se o custo da reconstrução recairía sobre Bezos ou sobre a empresa que está a construir a embarcação, a Oceanco.
No entanto, esta não é a primeira vez que os habitantes de Roterdão lutam para preservar a De Hef. Apesar de já não estar operacional, trata-se de uma ponte ferroviária pioneira, a primeira infraestrutura a ser reconstruída após os nazis varrerem do mapa o centro de Roterdão, em 1940, tornando-se um símbolo do renascimento da cidade. Daí que propostas anteriores para a demolir tenham acabado por ser abandonadas pela Câmara Municipal devido a protestos, em 2017.
Claro que a fama de Bezos, descrito por muitos como uma espécie de supervilão, decidido a explorar os seus trabalhadores na Terra e a deixá-la arder, enquanto prepara a fuga dos seus amigos ricos para o espaço, só aumentou a revolta dos cidadãos de Roterdão. «É uma cidade de classe trabalhadora», frisou Sieb Thissen, autor de um livro sobre a De Hef, intitulado O rapaz que saltou da ponte, à Times. «E eles sabem todos que Jeff Bezos, claro, explora os seus trabalhadores. Por isso as pessoas dizem: ‘Deveria este poder demolir a ponte por causa deste barco?’».
«Roterdão foi construída dos escombros por roterdamenses e não a desmontamos simplesmente para deixar passar o símbolo fálico de um bilionário megalómano. Não sem luta», apelava na página de Facebool do evento para atirar ovos podres ao navio. Dado o caudal do porto de Roterdão, acertar será «um feito difícil», verificou um repórter da Curbed, após alguns cálculos. «Mas não impossível».
Já nos Estados Unidos, a disputa entre os habitantes de Roterdão e Bezos não deixou de ser notada. «Se Jeff Bezzos consegue pagar para desmantelar uma ponte na Holanda para o seu superiate caber, então a sua empresa não deveria ter problema nenhum em pagar uma parte justa em impostos para que possamos construir pontes na América», tweetou o congressista democrata Adam Schiff.