Max Jakobson é uma daquelas personagens que entra diretamente para a Enciclopédia dos Grandes Trafulhas, isto é, se houvesse uma. Durante anos, sacou fortunas aos pobres diabos que, ingenuamente, se entregavam às suas poções mágicas capazes de mitigar todas as dores e de fazerem felizes os mais tristes dos humanos. Passou pelos pingos da chuva durante uma eternidade até que, em 1972, o New York Times resolveu investigá-lo e trouxe à superfície uma realidade nada agradável.
Max nasceu em 1900, ainda no tempo do Império Alemão e estudou Medicina na antiga Universidade Friedrich Wilhelm, em Berlim. Era um fulano ambicioso e de poucos escrúpulos. Estabeleceu-se num consultório, foi praticando a profissão, mas sofria na pele o facto de ser judeu num país onde os judeus começaram por ser odiados para serem, depois, dizimados. Não descobria maneira de evoluir na carreira e sentia-se cada vez mais asfixiado. Já depois da chegada de Adolf Hitler ao poder, tomou a decisão de abandonar para sempre a Alemanha. Em 1936 instalou-se em Nova Iorque, Manhattan, Upper East Side, o bairro ideal para começar a pôr em prática a sua medicina verdadeiramente alternativa.
Upper East Side foi, com o tempo, dando razão ao nome. Ou seja, cada vez mais upper. Sobretudo quando as grandes e ricas famílias da América se entusiasmaram pela 5.ª Avenida. Falo dos Rockefeller, dos Roosevelt e dos Kennedy, por exemplo. Tudo gente que fazia o nosso bom doutor esfregar as mãos ansiosamente. Começou a ganhar fama como o médico que tinha umas injeções miraculosas para todo o tipo de dores. Ele chamava-lhe «regeneração de tecidos». Um eufemismo para uma base forte de anfetaminas misturada com outras porcarias como hormonas de cavalo, placenta humana, esteroides e multivitamínicos. Uma verdadeira mixórdia no meio da qual o único segredo, e mal guardado, era o abuso dessas substâncias sintéticas que estimulam o sistema nervoso, provocando uma sensação de bem estar, mas que, ao mesmo tempo, são drogas de abuso que causam euforia, aumentam a socialização e a libido.
Entre os clientes de Max Jakobson encontrava-se gente tão famosa como Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Leonard Bernstein, Humphrey Bogart, Yul Brynner, Maria Callas, Truman Capote, Montgomery Clift, Cecil B. DeMille, Marlene Dietrich, Eddie Fisher, Judy Garland, Hedy Lamarr, Alan Jay Lerner, Mickey Mantle, Liza Minnelli, Thelonious Monk, Marilyn Monroe, Zero Mostel, Elvis Presley, Anthony Quinn, Paul Robeson, Nelson Rockefeller, David O. Selznick, Elizabeth Taylor, Billy Wilder e Tennessee Williams. Nada mau para inscrever num cartão de visita, como se imagina. Os infelizes. Não tardou que um dos mais conhecidos sofredores dos Estados Unidos, o Presidente Jonh F. Kennedy tenha decidido recorrer aos préstimos daquele que passara a ser conhecido por Dr. Feelgood. Ou Miracle Max.
Kennedy era um caso raro de doenças ambulantes. Atacado pela doença de Addison, uma disfunção das glândulas suprarrenais, que lhe provocava dores terríveis, juntava-lhe uma hérnia discal que o obrigou a usar uma cinta apertada durante toda a vida de adulto. A fragilidade da sua saúde era atreita a infeções bastante impressionantes. Só para se ver até que ponto as coisas podiam chegar, recorde-se um episódio passado em 1961, no meio de uma cimeira com os responsáveis pela União Soviética sobre o problema de Berlim: atacado por um febrão terrível, chegou a ter o corpo à temperatura de cerca de 90 graus e foi obrigado a ficar mergulhado numa banheira de água gelada. Mas as mazelas não se ficavam por aqui. John tinha graves problemas digestivos, alergias várias e doenças venéreas como gonorreia. Nada que conviesse ser trazido a público, como está bem de ver. Os americanos adoravam o casal presidencial, Jack e Jackie, e não estavam preparados para perceberem que a parte masculina desse casal tinha uma tara sexual irreprimível. Noutro episódio famoso, que decorreu durante a crise da Baía dos Porcos, Kennedy apanhou um problema nas mucosas que só foi debelado à custa de 600 mil unidades de penicilina. Não era de admirar que Robert Kennedy dissesse frequentemente, em jeito de graçola: «Se um mosquito picar o meu irmão, o mosquito morre».
Maldito vício! Viciado em analgésicos, John F. Kennedy encontrou em Max Jakobson o médico ideal. As anfetaminas criavam-lhe uma ilusão de bem estar e, se calhar, até lhe aumentavam a já sua tão elevada libido. O alemão deixara definitivamente um trabalho interessante que pusera em prática durante anos sobre como curar a esclerose múltipla para se dedicar a ser o médico das estrelas de Hollywood. Casava muito melhor com o seu feitio vaidoso e com a sua necessidade de reconhecimento social. Tinha sempre prontas, para cada um dos seus ilustres pacientes, umas ampolas milagrosas que serviam para tudo até para curar uma simples birra de artista mimado. As injeções mágicas abriam sorrisos luminosos por toda a parte. E o Dr. Feelgood ganhava muito dinheiro com a sua charlatanice. O dramaturgo e letrista nova-iorquino Alan Jay Lerner, não teve pejo em dar uma entrevista sobre os tratamentos de Max: «Até pode ser que me destruam a vida, mas fazem-me encarar o dia a dia sob uma luz muito brilhante». Pudera!
Max Jakobson tornou-se íntimo de muitas das personalidades que o procuraram no seu consultório sempre à pinha. De tal ordem que passou a ser também um fornecedor de opiácios e outras substâncias do género, chegando ao ponto de fazer encomendas largas das drogas que vendia e ensinar os pacientes a injetarem-se a si próprios.
John F. Kennedy, a maior das suas vítimas, foi ao encontro de Max no início de 1960, aconselhado por um antigo colega de faculdade em Harvard. Tinha tudo para, tal como no glorioso final de Casablanca, ser o início de uma bela amizade. Foi. Mas a amizade de um dependente. Em plena campanha eleitoral, Jack estava de rastos. Cansado, com dores terríveis nas costas, sentia que estava a perder o controlo sobre si próprio e a prejudicar gravemente o seu futuro como Presidente dos Estados Unidos. Jakobson, por seu lado, ficou fascinado com a possibilidade de se tornar íntimo de Kennedy: «Senti verdadeiramente que ele precisava de mim e que ouvia com atenção todos os meus conselhos. Isso deu-me consciência da minha importância para aquele homem de aí em diante», afirmou orgulhosamente, segundo um dos jornalistas que mais profundamente se debruçou sobre a sua existência, Peter Keating. Assim sendo aplicou-lhe um dos seus tratamentos especiais: uma bomba de anfetaminas. John sentiu-se de imediato mais alerta e mais bem disposto. A dose cavalar fez-lhe o efeito que Dr. Feelgood esperava.
Em 1961, Kennedy voltou a ter um ataque violento de dores lombares. Chamou de urgência Max a Washington. O milagre repetiu-se. E, nos meses que se seguiram, Jakobson e a mulher, Nina Hagen (não, não é a da música!), acompanharam Kennedy por toda a parte, até numa visita de Estado à Europa (Paris e Viena), a primeira parte dela num jacto propositadamente fretado para o casal, a segunda já no conforto do Air Force One. A dependência de Jack atingira um ponto irremediável. Antes de um encontro com Krushev, o Presidente da União Soviética, suplicou: «Esta conversa vai durar horas. Será um sacrifício. Preciso de uma das suas injeções antes de entrar na sala». Max não se fez rogado. A sua ambição estava a ser devidamente premiada. Era indispensável para o responsável pelo país mais poderoso do mundo. Algo que não fora capaz de prever no início da sua carreira em Berlim.
Desconfiança
Começava a ser difícil explicar coerentemente a relação de Kennedy com um médico decididamente mal visto pelos seus pares que, embora não pudessem provar a charlatanice de Jakobson, desconfiavam seriamente dela. Os contactos entre a Casa Branca e o consultório de Upper East Side passaram a ser codificados, ainda segundo Keating. O Presidente requeria a presença de Mr. Dunn, e Max viajava incógnito para onde fosse necessário num Cessna que pertencia a outro dos seus viciados, um tal de Mark Shaw que, não por acaso, também era fotógrafo (quase) oficial da família Kennedy. Numa inspeção feita após a queda do eminente esculápio, ficou provado que Max e Jack se encontraram às escondidas por mais de 30 vezes. Em cada uma delas, o Dr. Feelgood fazia atuar a sua magia para pôr Kennedy fresco como um carapau. O vício estava entranhado até ao mais fino dos vasos capilares.
Max Jakobson iniciou a escrita de uma biografia que, talvez por vergonha, nunca terminou. Mas, em declarações à imprensa, já após a sua morte, o mesmíssimo Keating lançou publicamente alguns nacos mais apetitosos da obra do aldrabão. «Vivem-se na Casa Branca momentos de enorme entusiasmo entremeados com momentos de autêntica crise», terá escrito Jakobson, querendo gabar-se que os momentos de enorme entusiasmo eram provocados por ele. «O Presidente gosta verdadeiramente da minha companhia, não apenas como médico, mas como parceiro de conversas. E aprecia particularmente as anedotas que lhe conto sobre judeus». Se, de facto, Max escreveu barbaridades como esta, há que dizer que a sua biografia ficou bem na gaveta onde a deixou. Mas também revela a sua completa inconsciência como médico e responsável pela saúde daqueles que com ele se consultavam.
Pelo caminho, sem conhecimento do Presidente, o FBI começou a investigar o dr. Max Jakobson. Em alguns relatórios muito pouco simpáticos para com a personagem, os inspetores referiam-se a ele como o «médico das asas de morcego e do sangue de galinha». O facto é que as suas poções estavam longe de ser tão sofisticadas. Nessa fase da sua vida, o Dr. Feelgood usava e abusava das anfetaminas puras e duras. Já não tinha paciência para ademanes e não precisava de convencer os clientes de que utilizava outros produtos naturais para obter os efeitos desejados. Em 1962, o diretor-geral do FBI conseguiu uma amostra de um dos elixires mágicos de Max e enviou-o para o estudo em laboratório. Infelizmente para os investigadores, a amostra era demasiado pequena para se obterem resultados decisivos.
O cerco apertava-se em redor de Miracle Max. Algumas das pessoas mais próximas de Kennedy tentaram alertá-lo para o perigo da adição às drogas com que era injectado e o desconhecimento sobre os produtos utilizados. O Presidente cabreou-se: «Quero lá saber disso! Nem que seja mijo de cavalo. É a única coisa que me faz efeito!»
Mas os médicos da Casa Branca estavam com Jakobson pelos gorgomilos e iniciaram, por sua vez, uma estratégia para o separar de John. Hans Kraus, outro alemão, ortopedista, que o tratara com frequência, escreveu-lhe várias cartas de forma a alertá-lo para o estado de dependência a que tinha chegado. Numa delas foi bem claro na sua opinião: «Nenhum Presidente com as suas responsabilidades pode tomar porcarias daquela espécie».
O fim de Dr. Feelgood
Para a rapaziada que viveu a semi-loucura libertária dos finais dos anos-70 não é possível esquecer uma pequena banda inglesa que começou a tocar em pubs e se chamava precisamente Dr. Feelgood. Cantava: «Down to the doctors/Down to the doctors/Come on down to the doctors/Make you feel good all night» A alegoria é evidente.
Quando o repórter do New York Times, Boyce Rensberger, publicou um artigo devastador e intitulado «Amphetamines Used by a Phisician To Lift Moods of Famous Patients», já John F. Kennedy tinha sido assassinado e Max Jakobson tinha queimado tudo o que dizia respeito às suas consultas com o antigo Presidente. «Durante anos a fio, o dr. Max Jakobson, um médico de clínica-geral de 72 anos de Nova Iorque injetou anfetaminas – um poderoso estimulante da família das drogas a que chamamos speed – nas veias de dezenas das personalidades mais famosas do cinema, da literatura e da política. (…) Muitos dos seus pacientes vieram a queixar-se das reações e da adição às anfetaminas que, usadas durante muito tempo em doses fortes provocam sintomas de paranoia e esquizofrenia», esclareceu Rensberger.
O próprio Jakob já era um completo viciado nas suas próprias poções. Chegava a trabalhar 24 horas sobre 24, sem dormir, e já fora responsável pela morte de Mark Shaw, o seu piloto secreto, com apenas 47 anos. Estava no centro de um furacão que o levou a ser alvo de uma duríssima investigação por parte do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, investigação essa que terminou com a revogação da sua licença para praticar medicina no dia 25 de abril de 1975. Quatro anos mais tarde, foi liminarmente recusado o seu pedido para readquirir a licença. A realidade exposta na reportagem de Boyce dava-o como dificilmente consciente de todos os prejuízos que causara com a sua aldrabice. Era um homem alienado que sofria a ressaca das drogas com que se auto-medicara. Morreria pouco depois de ter feito a tentativa de voltar a tentar praticar aquilo que ele chamava de medicina, no dia 1 de dezembro de 1979. Sem orgulho e sem vaidade.