Por José Allen Lima
Engenheiro, reformado da EDP
Ora quando se diz que “…o nível de importação dos últimos dias tem representado um custo diário acima dos 10 milhões de euros…” esquece-se de avaliar quanto se poupou, que até terá sido um valor superior.
De facto, sobre a importação de eletricidade, digo sempre que é vantajosa para o país importador, pois substitui alternativa local mais cara e isto é o mesmo que acontece no comércio internacional (os preços do bem convergem para um valor comum, não havendo restrições, subindo no que exporta e descendendo no país que importa; se o importador fixa uma quota – equivalente no sistema elétrico a atingir o limite da capacidade de importação – os preços ficam diferentes, embora mais baixos no país importador em relação a não haver importação). No dia 17 de fevereiro, usado como exemplo, a importação nacional teve um saldo de 72GWh e um pico de 4693MW e as questões que se devem colocar são:
- Seríamos capazes de sobreviver com meios próprios em capacidade de produção instalada controlável, mesmo que mais caros? Em princípio sim, porque a utilização da produção nacional a gás natural nesse dia foi de apenas 44%.
- Havia contratação suficiente de gás natural para o conseguir ou era necessário ir adquirir ao mercado spot a qualquer preço? Julgo que se teria de recorrer ao mercado spot de gás, caro nesta altura, pois os contratos a prazo são relativamente rígidos em relação ao fluxo continuado a receber e em cláusulas de take-or-pay. Levanta questões adicionais para a segurança dos abastecimentos.
- A simples avaria de um gerador de ciclo combinado a gás natural (CCGT) daria para salvar a situação? Possivelmente sim, mas muito à tangente.
- Sobreviveríamos se a CCGT da Tapada do Outeiro já estivesse desclassificada (termina o CAE em 2024)? Aqui acho que não e não seria a nova fotovoltaica (não assegura produção na ponta de carga noturna) e o investimento no Tâmega da Iberdrola (muita potência instalada, mas reduzida capacidade de armazenagem de energia) que salvariam a situação.
O Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento da DGEG – REN de outubro de 2020 previa situação bem difícil para este inverno, que teve a restrição negativa do prolongamento de estiagem, mas a salvação veio das temperaturas amenas. Assim, é necessário avaliar e planear melhor as necessidades de apoio térmico, em termos técnicos e económicos, para situações de seca prolongada, ausência de sol e de vento, coisa em que o Plano Nacional de Clima e Energia não é suficiente e não clarifica custos para o consumidor final e análises de benefício / custo de alternativas.
Sobre a situação no Castelo de Bode, lamento não se ter registado que não havia problemas no Alqueva e Aguieira. Nos aproveitamentos de raiz para fins múltiplos, como estes são exemplo, foram introduzidas pelo Estado condicionantes à exploração hidroelétrica bastante precisas. Em muitos outros aproveitamentos não se vai além de: cota máxima, mínima e caudal mínimo a lançar ou ecológico. Nestes últimos, em que foi utilizada por outras entidades a “boleia” de existir uma albufeira para à posteriori instalar captação de água e facilidades para fins lúdicos, como é exemplo o Castelo de Bode, é que surgem os problemas dos protestos atuais (agravados pela nova perspetiva ambiental). É também curioso que na concessão original do Castelo de Bode (entrou em serviço em 1951) estava prevista a indemnização do concessionário, por perda correspondente de valia hidroelétrica, se viesse a ser instalada uma captação de água, como aconteceu e o Estado aproveitou ser proprietário, na altura, dos dois lados para esquecer este detalhe… Talvez a EDP pudesse fazer uma utilização menos intensiva da hídrica, usando mais térmica para proteger o stock de água. Mas como a valia económica da água armazenada é agora muito mais elevada do que no futuro próximo, com a descida prevista do preço dos combustíveis e até pode começar a vir chuva, foi de aproveitar… (é um ganho para a Empresa se usar bem a sua capacidade de Trading no mercado à vista de eletricidade, mas os clientes no retalho ficam, em princípio imunes, pelas habituais contratações antecipadas no mercado de futuros).