Santo Ofício, como nos Processos de Moscovo

O que faz o termo ‘raça’ persistir, induzindo extrapolações e divisões ignorantes intoleráveis, é evidência à vista de diferenças de aspetos físicos, que são um facto e não podem ser anulados por decreto, tal como a fealdade que me acompanhará até ao fim da vida, ou a beleza do Brad Pitt ou do Denzel Washington.

«És bruxo?». «Não sou, juro que não sou». «És, és, nós é que sabemos».
Nos julgamentos do Santo Ofício
 
1. Vi agora o debate. Debate não, pois um debate significa paridade no painel e moderação independente. Emendo, pois: vi finalmente o julgamento de Pacheco de Amorim no tribunal do Santo Ofício da SIC. Inquisidor: Mortágua. Assessor: o funcionário da SIC de serviço. Quanto ao conhecimento do tema ‘raça’ (termo que PdA usa no sentido vulgar que muita gente mesmo informada ainda usa, e que Mortágua não usa embora não saiba as razões científicas porque não deve ser usado), o desconhecimento pio do ‘bruxo’ PdA e a ignorância odiosa da inquisidora Mortágua equivalem-se.

Todavia – e PdA explicou bem –, é elementar saber que a população originária dominante  de Portugal transportava um stock genético caucasiano.  Não o han, evidentemente, que nenhum chinês trocaria por outro. Depois foi a longa história de miscigenação universal («Ide e multiplicai-vos»), condição da continuidade da espécie humana, que segundo a teoria científica prevalecente teve a origem comum na Lucy, a mãe africana de todos nós,  nome com que a batizaram Yves Copain e os companheiros que a descobriram no Riff. Lucy in the sky with diamonds, a canção dos Beatles mais ouvida no acampamento. Aprendam isto e muito mais no livrinho, rigoroso e claro, O Macaco, a África e o Homem, publicado pela Gradiva há muitos anos, depois varrido da escola pelo obscurantismo que a domina, com o seu ódio à  ciência ‘aberta’ e ‘viva’.

O que faz o termo ‘raça’ persistir, induzindo extrapolações e divisões ignorantes intoleráveis, é evidência à vista de diferenças de aspetos físicos, que são um facto e não podem ser anulados por decreto, tal como a fealdade que me acompanhará até ao fim da vida, ou a beleza do Brad Pitt ou do Denzel Washington.

Quanto à razão do ‘amarelo’ dos chineses – que pelo contrário é contra-evidência  (embora os Tancareiros sejam ‘tostados’ pelo sol e o mar e haja gradientes regionais, tal como entre mim e Amigos do Alentejo – esclareço-a com uma história pessoal: Quando  cheguei a Macau nos anos 60 (por cá era raro ver-se um chinês), intrigou-me precisamente o  alvíssimo das pernas das jovens. Vivia-se a época deslumbrante das mini-saia, que as chinesas  usavam com prodigalidade inversa à que as portuguesas exibem os seios.  A brancura da pele das chinesas já espantara e fora registada, aliás,  pelos primeiros mareantes lusos que aportaram à China.  

Foi num livro do jesuíta Videira Pires, que aprendi o porquê de  ‘povo amarelo’, designação… que os chineses atribuíam a si próprios: o povo do Rio Amarelo, berço e alimento da civilização chinesa!  O império Amarelo, o imperador amarelo, as vestes amarelas do imperador, etc..

Quanto ao salto para a construção ideológica discriminatória de ‘raça amarela’, basta lembrar aos leitores que ocorreu quando as potências ocidentais julgaram, triunfal e ignorantemente que também podiam colonizar a China.

2. No espetro das ideias políticas, estou num lugar oposto ao de PdA, mas como gente normal, seja qual forem as ideias políticas que defendam  ou o seu clube de futebol, podemos conversar sobre faits divers da vida. Os homens não são ilhas, nem tribos,  como as viviam, p. ex. Tutsis e Hutus  e pensam, vivem e pregam as Mortáguas. Também eu prezo como ele os valores religiosos, exigindo, como já exigira Voltaire e reconhecia Cristo, um Estado laico. Valor que com a igualdade de direitos para todos são linhas vermelhas por que morreria. Os do BE não pensam como eu. Igualdade só para eles. E não é a ideologia que os inspira e move uma sharia?

Se PdA, Ventura e o Chega fossem o que Mortágua e o BE querem e lhes convinha, seriam nos dias de hoje muito menos perigosos para a democracia e a liberdade do que o BE. Tal como é menos perigoso o PCP, cujo totalitarismo não tem hoje substância nem alimento. Quanto ao BE, perante o vazio dessas velhas causas desaparecidas, preencheu-o com as novas ‘causas’ que cavalgam. Estas de um neo-totalitarismo ainda mais sinistro, que não precisa de centro irradiador, insidioso, mata por dentro, mina a Europa, o Ocidente, ameaça a civilização. É o novo fanatismo de que mentes fanáticas precisam para se alimentar. Se juntarmos a isso ignorância e incultura básicas e insensibilidade arrepiante teremos as Mortáguas e Mortáguos deste mundo. 

3. E volto ao político. Intrigou-me  que PdA não contra-atacasse, era tão fácil. Percebi depois porquê. Algo que dissesse, por mais inócuo que fosse, gritariam logo: «racista, fascista!». 

Na verdade, para acabar com a conversa bastaria PdA perguntar à  Mortágua: «Diga-me de que lado estaria, de que lado estavam os seus amigos hoje reunidos no BE, no tempo do PREC?». Do lado da liberdade ou do lado de uma nova ditadura?