Após semanas de notícias contraditórias, com Washington e Moscovo a travarem uma guerra de informação, cada vez mais analistas se viram para as redes sociais, de maneira a tentar perceber o que está a passar à margem da narrativa oficial.
Esta não é a primeira vez que assistimos a um conflito em direto. Contudo, se a invasão do Iraque foi dominada pela televisão e muito da Primavera Árabe se desenrolou através do Twitter, a tensão na Ucrânia gerou um enorme volume de tiktoks e posts de Instagram, seguidos atentamente pela crescente comunidade de analistas de informação em fonte aberta. Desde vídeos de tanques e baterias de mísseis a serem transportados para a fronteira, filmados por transeuntes espantados ou condutores furiosos com o trânsito, até imagens partilhadas nas redes sociais por militares aborrecidos. Tudo isto tem servido para detetar movimentações que noutros tempos ficariam em segredo.
Aliás, “a maioria das mudanças na postura militar russa perto da fronteira ucraniana tem sido observável nas redes sociais antes de ser confirmada por autoridades dos EUA”, tweetou Rob Lee, investigador do King’s College, especializado na política de Defesa russa.
Contudo, isso provavelmente não servirá de muito nos primeiros momentos de uma eventual invasão. Apesar de mais de 65% dos ucranianos terem um smartphone, segundo a Media Landscapes, o mais provável é que qualquer ofensiva convencional seja apoiada por uma ataque cibernético, bloqueando as comunicações.
“Poderá demorar um bocado antes de começarmos a ver vídeos filmados em telemóveis, ou que as pessoas comecem a receber mensagens ou chamadas nas áreas onde os russos entrarem”, explicou Scott Boston, analista de Defesa da RAND Corporation, ao Vox. E além disso ainda há o risco de acabarmos a consumir desinformação.
“Teremos de ser consumidores muito cuidadosos de informação, mantermos a suspeição quanto à possibilidade de medidas ativas desenhadas para nos enganar”, explica Sandra Joyce, diretora da empresa de segurança Mandiant. Perante o dilúvio de dados que oferecem as redes sociais, “a imprensa também será especialmente desafiada”, acrescentou Joyce. “Será-lhes pedido que revelem medidas ativas, enquanto adversários ao mesmo tempo tentam pressioná-la a branquear as suas narrativas”.
Guerra de informação Além de espelharem o que se passa no terreno, as redes sociais viraram elas mesmas um campo de batalha. Não que seja um fenómeno novo, já em 2014, durante a anexação da Crimeia, o Kremlin foi acusado de montar redes massivas de contas falsas, ou bot farms. Contudo, se nessa ocasião o objetivo era desmentir que a Rússia estava a acumular tropas na fronteira, desta vez o propósito é “branquear a intenção do reforço militar à volta da fronteira, e preventivamente justificar uma ofensiva”, considerou Graham Brookie, investigador do Atlantic Council, em declarações ao Washington Post.
Agora, a justificação dada pelos proxys de Moscovo, incluindo pelos media estatais russos, é que Kiev estaria a preparar uma ofensiva contra os separatistas de Donbass, que ucranianos de língua russa estão a ser oprimidos – Vladimir Putin chegou a falar em “genocídio” – e que esta seria uma guerra defensiva.
No entanto, também a própria Casa Branca – que tem lançado aviso atrás de aviso para uma invasão iminente, acabando catapultados para as manchetes pelo mundo fora – tem sido acusada de exagerar, com o propósito de unir os países membros da NATO contra a ameaça russa. A prática da Administração de Joe Biden de citar fontes das secretas, sem apresentar provas, para revelar alegados planos do Kremlin, tem sido vista com suspeita por muitos analistas, que não se esquecem das infames “armas de destruição em massa” que essas mesmas secretas diziam ter localizado no Iraque.
“Fala-me de intelligence, mas de facto acho que estas não são pérolas vindas de relatos de agentes”, admitiu John Sawers, um antigo diretor do MI6, em entrevista ao Atlantic Council, referindo-se à supostas informações que a Casa Branca tem dito receber das secretas.
“Isto é baseado num crescente conhecimento de Putin, em vez de profundos relatórios das secretas”, explicou o antigo espião, em tom elogioso. “Embrulhá-lo como intelligence, acrescentando alguns nomes sumarentos, simplesmente dá umas boas histórias aos media e ajuda a contrabalançar a narrativa”.