Com apenas cinco letras, Josh Wardle criou um dos passatempos mais populares e desafiantes dos últimos tempos. No pico da pandemia, em 2020, o britânico, com formação em engenharia de software, e a sua namorada, Palak Shah, tinham o ritual de jogar as palavras cruzadas e o Spelling Bee do New York Times todas as manhãs. Dessa rotina entre casal surgiu o Wordle.
Por de trás do jogo, cujo nome é um trocadilho entre word (palavra em inglês) e o apelido Wardle, está um gesto de amor: Josh concebeu o jogo apenas a pensar no entretenimento da namorada, uma fã de puzzles de letras.
Um primeiro protótipo foi partilhado entre o seu círculo de amigos em 2013, mas estes não ficaram muito impressionados, levando Josh a guardar a ideia na gaveta até 2020, quando a necessidade de passar o tempo confinado em casa o levou a recuperar o projeto.
Mais simples e menos moroso do que as palavras cruzadas, o Wordle consiste em adivinhar uma palavra em inglês com cinco letras. O utilizador tem seis tentativas para chegar à solução, que acaba por se revelar numa base da lógica. Ao introduzir o primeiro palpite ao calhas, o programa apresenta uma cor para a letra certa na posição certa (verde), outra para uma letra certa numa posição errada (amarelo) e finalmente outra para as letras completamente erradas (cinzento).
As letras que não façam parte da palavra vão sendo bloqueadas no teclado.
Um dos segredos para o êxito deste passatempo está num fator determinante: só pode ser jogado uma vez por dia, deixando o utilizador a querer mais e estimulando o desejo de repetir o desafio no dia seguinte.
Primeiro foi partilhado no WhatsApp pela sua rede de contactos mais próxima. Depois de lançado ao público em outubro de 2021, chegou a apenas 90 jogadores no início de novembro. No início de janeiro já eram mais de 300 mil a jogar e neste momento já alcança milhões de aficionados pelo mundo fora.
Gratuito, funcional em todos os navegadores, sem necessitar de uma app ou inscrições, e não inundando os utilizadores com pop-ups de publicidade, o Wordle tinha todos os ingredientes para triunfar.
Ao New York Times, Josh Wardle explicou que o jogo “não tenta fazer nada obscuro com os dados dos utilizadores”. “É só um jogo divertido” e que ocupa apenas “três minutos por dia”, “não requer mais tempo do que isso”.
Até meados de dezembro, não era possível partilhar os resultados. Até que o engenheiro britânico se apercebeu de publicações nas redes sociais em que os jogadores tinham arranjado uma forma de o fazer, através de grelhas de emojis com quadrados verdes, amarelos e cinzentos. A ideia de uma grelha misteriosa agradou-lhe, acreditando que também despertava o interesse das pessoas que não conheciam o jogo. Assim, criou o mesmo mecanismo de forma automatizada para os utilizadores se gabarem dos seus sucessos sem spoilers.
Um negócio de sete dígitos A 31 de janeiro, Josh Wardle, assoberbado pelo crescimento exponencial do jogo em poucos meses, anunciou ter chegado a acordo com o New York Times para que o jornal norte-americano tomasse conta do Wordle dali em diante. O negócio terá sido fechado por uma quantia avultada de sete dígitos, mais do que um milhão de dólares mas inferior a cinco milhões.
Lembrando que o desenvolvimento do quebra-cabeças tem as suas raízes naquele diário nova-iorquino, o britânico realçou que sempre admirou a abordagem do órgão de comunicação, quer pela qualidade dos seus jogos, quer pelo respeito com que trata os utilizadores. “Os seus valores alinham-se com os meus nestas questões e estou entusiasmadíssimo com o facto de doravante serem os tutores do jogo”, escreveu numa mensagem partilhada na sua conta do Twitter.
Agora, o Wordle junta-se ao portfólio de jogos do New York Times, e às emblemáticas palavras cruzadas (criadas em 1942), ficando a cargo de uma equipa de criativos, engenheiros e especialistas em passatempos que se dedicam a criar novas formas de entretenimento para os leitores do jornal. A aquisição faz parte de um plano de diversificação de negócio, que já oferece uma assinatura específica para jogos.
“Os nossos jogos foram jogados mais de 500 milhões de vezes em 2021 e em dezembro atingimos um milhão de assinaturas”, refere o grupo em comunicado, sublinhando que a secção de Jogos é uma parte chave da estratégia da publicação para captar assinantes que falem inglês e que “procurem compreender e relacionar-se com o mundo”.
Jonathan Knight, responsável do New York Times Games também destacou que “o jogo conseguiu o que muito poucos jogos fizeram: capturou a nossa imaginação coletiva e aproximou-nos um pouco mais”. “Se forem como eu, provavelmente todas as manhãs acordam a pensar no Wordle e a saborear esses momentos preciosos de descoberta, surpresa e realização”, resumiu.
Ao migrar para aquela plataforma, o Wordle permanece livre e gratuito para todos os jogadores, antigos e novos, e a sua configuração não foi alterada. Mas há quem duvide que no futuro se mantenha assim, tendo até um representante do jornal dito que não há “planos rígidos para o futuro do jogo”.
O vasto alcance deste recente fenómeno não se ficou por aqui. Neste momento, existem já aproximadamente mais de duas centenas de versões do jogo em pelo menos 79 línguas. Para os mais viciados e que se queiram desafiar noutros idiomas além do inglês, em português está disponível o Termo, em francês o Le Mot, em italiano o Verba e em alemão o Wordle-Spiel.