Era já noite quando recebi a notícia. Fiquei muito triste, apesar de saber que, mais dia menos dia, ela iria chegar. No dia 19 de janeiro, o meu colega e amigo Orlando Dias Martins partira.
Foi longo e penoso o sofrimento que suportou, sem nunca se lamentar nem se queixar do peso da doença prolongada que tinha pela frente. Lutador incansável, um verdadeiro herói, uma referência, um exemplo.
Na perspetiva humana, perdi um amigo. Um amigo sempre presente nos bons e nos maus momentos da minha vida. Mas, como crente, sei também que esse amigo está agora noutra morada, na Casa do Pai, a acompanhar-me e a conduzir os meus passos, até um dia nos encontrarmos nessa mesma morada eterna.
Dermatologista conceituado, experiente e sabedor, foi para mim uma referência com quem aprendi alguns pontos práticos dessa interessante especialidade. Sempre pronto a ajudar, discutia comigo os casos clínicos que lhe referenciava, nunca me negando qualquer apoio.
Da sua vida terrena, destaco dois aspetos que muito me marcaram e que recordo com imensa saudade. Em primeiro lugar, a sua aposta na família, talvez a sua imagem de marca. Nos dias de hoje, o conceito de família vai-se alterando, para não dizer mesmo que se vai perdendo. Tudo é descartável e cada um egoisticamente vai olhando apenas para si, para o seu bem-estar, para as suas conveniências e para aquilo que lhe dá prazer. Tudo o resto fica para segundo plano. O dia de hoje é que conta e amanhã logo se vê.
Para o Orlando não era assim. A família tinha uma importância extraordinária e estava acima de tudo. Desde muito cedo, o vi levar a família toda para férias, incluindo os namorados dos filhos, que ele acolhia debaixo da sua asa protetora. Quando uma vez o questionei por esta sua opção, a sua resposta não podia ser mais esclarecedora: «Luís, todos nós temos obrigação de investir na família. É um dever defender a família. É um investimento».
O outro aspeto tem a ver com a vertente clínica que sempre me fascinou. Da velha escola de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Lisboa (onde o mestre Juvenal Esteves, por ele citado frequentemente, fora para ele uma referência), a abordagem do doente era feita sempre com critério e bom senso. «Tudo pelo doente, mas só aquilo que o doente precisa», lembrava-me. Nem exames desnecessários, nem recusar o que é preciso fazer, numa relação de proximidade com o doente que deverá servir de exemplo para os jovens médicos.
Não podia deixar de estar presente na despedida, apesar de me custar sabe Deus quanto. Ao entrar na capela, vejo na minha frente uma fotografia sua tão real e tão natural que só lhe faltava falar.
Contemplando também a imagem, a sua mulher, Cesaltina, colega e companheira inseparável de toda uma vida, perguntou-me se eu reconhecia aquela foto. Era de uma festa familiar onde tínhamos estado, e nela transparecia a sua alegria e o seu bem-estar com os amigos. Uma coincidência – ou a prova de uma relação de amizade verdadeira que a História jamais apagará?
Depois, as palavras simples do celebrante, mas carregadas de significado, tocaram-me profundamente. Foi a homenagem que o Orlando merecia. «Em silêncio, cada um agradeça ao Orlando a importância que ele teve nas nossas vidas. Digam-lhe: ‘Obrigado Orlando’». E após um silêncio sepulcral, convidou-nos a pedir-lhe alguma coisa já que, agora, junto do Pai, estará em condições de nos poder atender. Pedi-lhe pela família, pelas famílias deste mundo, para que o seu exemplo se estenda a todas elas, tal como ele fez com o testemunho que nos deixou.
Meu bom amigo, recordá-lo-ei sempre em todos os momentos da minha vida. Tentarei seguir o seu exemplo e transmitir aos mais novos as suas importantes recomendações.
‘Obrigado, Orlando!’ – digo agora, não para repetir o que o celebrante nos pediu na hora da sua partida, mas por ser o que efetivamente me vai na alma.
(À memória do Dr. Orlando Dias Martins)