Asemana da Moda de Milão arrancou no dia 22 de fevereiro com o regresso ao formato marcadamente presencial, mas logo ao segundo dia uma guerra inesperada na Europa sobrepôs-se ao calendário das coleções de luxo italianas para o próximo outono-inverno. Apesar do número de vítimas e estragos que a invasão russa à Ucrânia já provocou, a aparência de normalidade manteve-se e os desfiles continuaram sem qualquer reconhecimento ao avanço das tropas de Putin. Pelo menos até quase ao último dia, quando Giorgio Armani decidiu romper com a indiferença que até ali se fazia sentir.
Num ato simbólico em homenagem às vítimas, o designer de 87 anos baixou o volume ao nível do zero enquanto as modelos caminhavam pela pequena passarela da Via Borgonuovo em silêncio.
«A minha decisão de não usar nenhuma música foi tomada como um sinal de respeito às pessoas envolvidas na tragédia que se desenrola na Ucrânia», explicou o criador em comunicado partilhado nas redes sociais no domingo.
A demonstração de solidariedade precedeu um desfile onde os cliques das câmaras e os aplausos foram o único som detetável.
«A melhor coisa a fazer é transmitir a mensagem de que não queremos celebrar porque algo muito perturbador está a acontecer à nossa volta», afirmou ainda o italiano à margem do desfile.
Giorgio Armani tem sido uma das figuras mais disruptoras e reativas em contexto de pandemia, não hesitando em adiar a apresentação de coleções nos últimos dois anos – mais recentemente em janeiro – quando sentiu que não era seguro realizá-las. A semana de moda de Milão, no entanto, não se faz sem a Armani – cujas propostas elegantes no feminino e masculino habitualmente fecham a cortina – e, ao retornar esta semana, o designer italiano provou que a sua presença se afirma em mais de uma maneira.
O silêncio no show da Armani contrastou com o silêncio das outras casas de moda italianas, face aos protestos que se faziam ouvir nas ruas de Milão. Imediatamente no dia 24, quando rebentou a guerra, à porta do desfile da Prada foram aparecendo os primeiros manifestantes, exibindo a bandeira da Ucrânia. Mais tarde, ao cair da noite na cidade italiana, os protestos foram-se multiplicando nas imediações dos desfiles da Versace, Gucci e Etro.
Não surtindo o efeito desejado junto das marcas de luxo, a comunidade da Moda recorreu às redes sociais, enchendo a caixa de comentários das publicações de pesos pesados como a Gucci, Prada e Fendi com emojis da bandeira ucraniana, apelando às marcas italianas a quebrar o silêncio sobre o assunto e a agir.
Esta falta de uma tomada de posição não passou em branco: «Nenhuma grande marca [exceto Armani] mostrou o seu apoio até agora», criticou Vena Brykalin, diretor de moda da Vogue Ucrânia (Vogue UA), cita o El País. «Não sei se é porque ainda estão à procura de uma forma para o fazer ou porque o mercado russo é muito importante para as marcas, mas publicar uma bandeira ucraniana no Instagram é inútil. Há muitas maneiras de ajudar a sociedade civil e acho que mostrar preocupação e compromisso beneficiaria a indústria da moda», defendeu.
Note-se que a Rússia e a Ucrânia juntas representam entre 4% e 5% das vendas globais de bens de luxo.
Depois de Milão, o testemunho passou para as mãos de Paris, com o arranque da Paris Fashion Week 2022, na segunda-feira, tendo Ralph Toledano, presidente da La Fédération de la Haute Couture et de la Mode, expressado o seu apoio ao povo ucraniano: «A grande família da moda reúne-se para a semana da Moda de Paris enquanto uma guerra atinge brutalmente a Europa e mergulha o povo ucraniano no medo e na dor. A criação é baseada no princípio da liberdade, quaisquer que sejam as circunstâncias. E o papel da moda é contribuir para a emancipação individual e coletiva das nossas sociedades. A Fédération de la Haute Couture et de la Mode convida todos a experienciar os desfiles de moda dos próximos dias com a seriedade que é essencial nestas horas sombrias», lê-se no comunicado à imprensa.
Já na terça-feira, foram dados os primeiros passos da viragem na atitude da indústria da Moda durante a apresentação da marca húngara Nanushka. No desfile, foi tocado o hino nacional da Ucrânia, tendo a marca garantido apoio às pessoas que saem da Ucrânia e procuram refúgio em Budapeste. O CEO Pèter Baldaszti também anunciou que a marca não irá realizar mais acordos com parceiros comerciais russos, nem irá proceder ao envio das encomendas realizadas por clientes na Rússia.
Esta decisão veio acompanhada de uma solicitação da Vogue Ucrânia à indústria da Moda para que imponha um embargo à exportação de produtos para a Rússia. O pedido foi direcionado especificamente ao LVMH, Prada Group, Swatch Group, Chanel, Hermès, Dolce & Gabbana, Max Mara, Burberry, Valentino, Versace, Hugo Boss, Calzedonia e Shisheido.
«Na escalada da agressão militar sem precedentes da Federação Russa e da crescente crise humanitária na Ucrânia, a Vogue UA insta todos os conglomerados e empresas internacionais de moda e luxo a cessar imediatamente qualquer colaboração no mercado do agressor», escreveu a publicação, acrescentando que «mostrar consciência e escolher a humanidade sobre os benefícios monetários é a única posição razoável para enfrentar o comportamento violento da Rússia».
Além disso, a Vogue EUA apelou à indústria global da Moda para não ficar em silêncio durante «estes tempos sombrios, pois tem a voz mais forte».