Onde quer que estejamos, quem quer que sejamos, qualquer que seja a nossa história e ideologia, há uma curiosidade que une pessoas em todas as partes do mundo: conhecer a sua origem. E como disse o ativista jamaicano Marcus Garvey: “Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”. Recentemente, ficou-se a saber que a humanidade tem “pouca variação genética” e que isso poderá comprometer o futuro do ser humano. Segundo Henry Gee, editor da Nature, na apresentação da sua teoria na Scientific American que ocorreu no princípio de fevereiro, a humanidade atingirá o “topo” em meados do século e começará a cair acentuadamente. Antes que “tudo acabe”, e como forma de “matar” a curiosidade sobre essas “raízes”, dois grupos de investigadores da Universidade de Oxford, em Inglaterra, uniram-se para conseguir determinar a maior árvore genealógica da história. E conseguiram, dando detalhes “sem precedentes” e mostrando a forma “maravilhosa” como os indivíduos em todo o mundo estão relacionados uns com os outros: o estudo inédito mostra uma rede com quase 27 milhões de pessoas, umas vivas e outras já não, recuando nas interligações ao longo de 100 mil anos. Os resultados foram publicados na revista Science.
Os nossos ancestrais Segundo Yan Wong, geneticista evolucionista do Big Data Institute e um dos principais autores do estudo, em comunicado de imprensa, os responsáveis construíram “uma genealogia para toda a humanidade que modela exatamente como podemos conhecer a história que gerou toda a variação genética que encontramos nos humanos hoje”. “Esta genealogia permite-nos ver como a sequência genética de cada pessoa se relaciona com todas as outras, ao longo de todos os pontos do genoma”, explicou o especialista.
De acordo com o estudo, “as regiões genómicas individuais são herdadas apenas de um dos pais (mãe ou pai) e a ascendência de cada ponto do genoma pode ser pensada como uma árvore”. O conjunto de árvores, que é conhecido como “sequência de árvore” ou “gráfico de recombinação ancestral”, é o que liga “as regiões genéticas de volta no tempo aos ancestrais onde a variação genética apareceu pela primeira vez”.
Wong e a restante equipa, integraram dados sobre genomas humanos modernos e antigos de oito bases de dados diferentes, num total de 3.609 sequências de genomas individuais de 215 populações diferentes. No que toca aos genomas antigos, incluíram amostras encontradas em todo o globo com idades que variam de mil a mais de 100 mil anos.
No protótipo, os algoritmos conseguem prever onde antepassados comuns devem estar presentes nas árvores evolutivas para explicar os padrões de variação genética. A rede resultante continha quase 27 milhões de ascendentes. Wong acredita, por isso, que o estudo acaba de lançar “as bases para a próxima geração de ADN”: “À medida que a qualidade das sequências genómicas de amostras de ADN modernas e antigas melhore, as árvores tornar-se-ão ainda mais precisas e eventualmente poderemos gerar um mapa único e unificado que explique a descendência de toda a variação genética humana que vemos hoje”.
Um mapa ainda mais “abrangente” Após adicionar dados de localização sobre os genomas da amostra, os responsáveis usaram a rede para estimar o local de onde os ancestrais comuns previstos viveram e, os resultados acabaram por “resgatar” com sucesso os principais eventos da história evolutiva humana, destacando-se a migração para fora da África há 70 mil anos, o que para o estudo, significa “a dispersão inicial do Homo sapiens da África Oriental para a Eurásia”. Além disso, os investigadores também descobriram potenciais evidências de interações entre o Homo sapiens e hominídeos agora extintos, como os denisovanos.
Agora, a equipa planeia tornar o mapa “ainda mais abrangente”, continuando a incorporar dados genéticos à medida que estes estiverem disponíveis. Segundo os responsáveis, como as sequências de árvores armazenam dados de maneira altamente eficiente, “o conjunto de dados pode acomodar facilmente milhões de genomas adicionais”.
De acordo com Anthony Wilder Wohns, que realizou a investigação como parte do seu doutoramento no Big Data Institute e que agora é investigador de pós-doutoramento no Broad Institute of MIT e Harvard, o novo estudo “reconstrói genomas dos nossos ancestrais e utiliza-os para formar uma vasta rede de relacionamentos”: “Podemos então estimar quando e onde é que esses ancestrais viveram. O poder da nossa abordagem é que ela faz muito poucas suposições sobre os dados subjacentes e também pode incluir amostras de DNA modernas e antigas”, reforçou. Ainda assim, Anthony Wilder Wohns acredita que a metodologia poderá contribuir para outras áreas de estudos, como a evolução de todos os seres vivos, como orangotangos e bactérias. “A metodologia pode ser benéfica para genética médica, ao separar as verdadeiras associações entre regiões genéticas e doenças de conexões espúrias decorrentes da nossa história ancestral partilhada”, concluiu.
Um contributo “decisivo” “Levados a cabo no âmbito do Human Genome Project, não sem a ajuda de diversos cientistas, entre eles o norte-americano Craig Venter, a decifração e mapeamento da quase totalidade do genoma humano datam do início do presente milénio”, começa por explicar ao i Sónia Deus, professora de Ciências Naturais e Biologia e Geologia. Vinte anos volvidos, o estudo publicado na revista Science veio “anunciar a criação da maior e mais completa árvore genealógica da nossa espécie, um contributo decisivo para o avanço da ciência no campo da genética”, defende a investigadora.
“Através do cruzamento de amostras de DNA antigas com sequências genómicas modernas, por meio de técnicas e métodos cada vez mais sofisticados, é hoje possível, por um lado, estudar a evolução genética humana desde os primeiros tempos, e, por outro, rastrear os principais fluxos migratórios dos nossos antepassados”, sublinha Sónia Deus, acreditando que de entre as conclusões a reter, “surpreende a baixa variabilidade genética das amostras utilizadas, que, a somar a outros fatores, poderá comprometer o futuro da espécie humana”. Além disso, a responsável lembrou que a a descoberta do ADN começou em 1869, mas a sua estrutura só foi desvendada em 1950. “Tem-se assistido a uma rápida evolução do seu estudo. Este tipo de estudos pode-nos permitir não só compreender como tem decorrido a evolução filogenética do homem ao longo do tempo, descobrir a base genética de doenças hereditárias tendo aplicação no tratamento médico das mesmas e com o avançar dos estudos poder-se á criar uma árvores mais rigorosa que permita explicar toda a variabilidade humana existente no nosso planeta”, reforça a investigadora.