Por Artur Torres Pereira, Presidente do Clube Português de Monteiros, Ex-deputado, Ex-presidente da ANMP
1.Quando a irracionalidade se apodera de alguns homens, o único caminho possível a todos os outros é o da Razão. Por mais brutais que as palavras pareçam sê-lo, e são-no, é impossível calcular o resultado e a dimensão finais do abalo telúrico em curso na Europa e no mundo causado pelo criminoso Putin. Tal como ao tempo disse Arnold Toynbee (1989-1975), historiador inglês pessimista por ter vivido as duas grandes guerras mundiais e a decadência do Império britânico, …«a História está de novo em movimento»… Desconhecemos atualmente em que direção, mas o que torna verdadeiramente dramática a angústia dos dias de hoje é sabermos poder ser um dos seus destinos possíveis o Horror. Joga-se a partir da Ucrânia um formidável desafio à sobrevivência, já não das diferentes Civilizações estudadas por Toynbee mas do próprio Mundo onde elas ainda vão coexistindo. Por ele fora, tomemos todos a Convicção, a Coragem e a Fé dos heroicos ucranianos.
2. Embora nós sejamos biologicamente nós próprios, certo é que igualmente somos, como salientou Ortega y Gasset (1883-1955), o resultado das nossas circunstâncias, as quais crescentemente se nos impõem e globalmente nos condicionam. Mas a montante delas e da nossa condição de caçadores ou de quaisquer outras expressões da nossa personalidade, da nossa educação e da nossa cultura, preexiste – devendo prevalecer sobre quaisquer circunstâncias – a nossa condição Humana.
3. Em tempos de paz, as condições em que habitualmente caçamos poderão alterar-se de um momento para o outro por via das doenças (as dos animais e as dos homens) ou das políticas, embora continuemos a caçar. Mas aquando das guerras – sobretudo daquelas que pela sua dimensão e impacto têm consequências particularmente gravosas sobre o nosso modo de vida – a caça torna-se uma atividade que a racionalidade manda suspender.
Todavia, mesmo em tempos de guerra a caça sempre existiu, ainda que com objetivos e motivações muito particulares. Portugal é disso testemunho através dos relatos feitos por familiares ou amigos próximos sobre episódios de caça ocorridos aquando da sua passagem militar por África durante a guerra colonial, em busca do desejado suplemento alimentar. E a história sofrida da subsistência de muitos rurais espanhóis durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) também se fez em torno da caça então dita ‘furtiva’, sendo que furtivismo e caça foram então legítimos e racionais exercícios básicos de sobrevivência em tempos de guerra.
4. Por cá continua a reinar a paz lusitana. O país continua suspenso da formalização de um novo Parlamento e de um novo Governo, cuja concretização apenas se antevê para dois meses (60 dias!) depois das eleições legislativas de 30 de janeiro último – aquelas em que finalmente nos livrámos, esperemos que para sempre, das duas senhoras que não gostam de Portugal, bem como dos respetivos partidos. Como tudo o mais, também a Caça aguarda expectante pelo resultado do trabalho futuro dos novos responsáveis governativos e dos novos deputados, agora livres da chantagem política e parlamentar do(a)s inimigo(a)s do nosso mundo rural e, nalguns casos, do nosso país.
Apesar dos anti-caça, da covid e do abandono governativo, os verdadeiros caçadores mantêm viva a sua esperança e intacta a sua sensibilidade. Querem uma prova? Há dias, numa montaria organizada numa modesta Zona de caça municipal na serra da Zimbreira (Mação) pela Associação de Caça e Pesca Desportiva de Envendos-Carvoeiro, as posições que cada caçador ocuparia foram originalmente sorteadas através de um pequeno envelope (com um número escrito à mão) contendo um simples cartão branco com três frases apenas, espaçadas o suficiente para que o compasso da sua leitura facilitasse a perceção do seu alcance:
A CAÇA é um sentimento íntimo pessoal e indescritível
Vamos todos respeitá-la
Obrigado pela sua COMPANHIA
Tão singelas quão belas palavras, invocando a Caça verdadeira como um Sentimento íntimo fortíssimo apenas possível de viver se o for com outrem – na Companhia de quem, e a quem, por isso se agradece –, tornam-se exemplares quando nos recordam que o direito a vivermos a vida é indissociável do Respeito que é valor matricial da condição e da Pessoa humana – o respeito a que caçadores portugueses apelam em Envendos e que, no centro da Europa, estes tempos de guerra e o louco que os inspirou desgraçadamente ignoram e espezinham.