Como explicar discrepâncias entre VPT e valor de mercado no caso de Ana Gomes?

Fiscalista diz que princípio declarativo leva a falhas na avaliação do valor patrimonial dos imóveis.

A vivenda de Ana Gomes, em Colares, Sintra, está envolta em polémica, depois de o i ter noticiado na sua edição de segunda-feira que a avaliação do imóvel feita pelas Finanças, que está muito abaixo do valor pelo qual foi colocado à venda, permitiu à antiga eurodeputada nunca ter de pagar o Adicional ao IMI. Em causa está uma diferença de quase 1,7 milhões de euros, entre o valor patrimonial tributário (VPT) de 311 mil euros e o valor no mercado: 2 milhões de euros.

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Segundo o fiscalista António Pragal Colaço, trata-se de um “erro crasso” das avaliações dos imóveis em Portugal. Ao i, aponta que “quando são feitas obras num prédio urbano” para valorizar um imóvel, tal como Ana Gomes admitiu ter feito, uma vez que a casa nem canalizações tinha quando a comprou, “tem de ser entregue a Modelo 1 junto da Autoridade Tributária, porque vigora o princípio declarativo”. Sabe o i, a inscrição na matriz do imóvel de Ana Gomes foi feita em 2010, sendo que o VPT atual na caderneta predial data de 2019.

A Modelo 1, tal como explica, serve para descrever como é composta uma propriedade. “Se tem dois pisos, se tem elevador, se tem anexos, piscina, qual é a área coberta e a área descoberta, etc.”.

Acontece que quando um proprietário declara “pode subtrair coisas ou reduzir áreas que sabe que lhe vão automaticamente dar um valor patrimonial tributário mais baixo, o que lhe permite pagar menos IMI”, sugere, acrescentando que “como as Finanças nunca vão averiguar, o imóvel fica com o valor patrimonial tributário calculado em função do que é declarado na Modelo 1 e depois de três em três anos é atualizado em função de um coeficiente de desvalorização da moeda”.

Sem meias medidas, Pragal Colaço diz mesmo que em Portugal isso é prática comum: “É assim que isto funciona e acontece precisamente por causa do princípio declarativo. As Finanças deviam ir lá confirmar, mas não vão”.

Apesar de reconhecer que não se coloca uma questão legal no caso de Ana Gomes, não deixa de apontar que, “quando as pessoas têm consciência de que pagam efetivamente impostos sobre bens patrimoniais que não correspondem à realidade, coloca-se uma questão ética, como é óbvio”.

“Em termos de senso comum, é impossível que uma pessoa que persegue toda a gente, luta pela transparência e com os conhecimentos técnicos que tem, não saiba o que está a fazer quando tem um propriedade que vale dois milhões de euros no mercado e que está inscrita nas finanças por 311 mil euros”, insiste.

Em declarações ao i, Ana Gomes já tinha reiterado que sempre pagou “rigorosamente” os valores de IMI “que as Finanças determinaram”, garantindo que assim que for vendida, “as Finanças serão notificadas do valor da venda e farão a sua própria reavaliação e calcularão o que terão a pagar pelas mais-valias”.

Acresce que, além deste imóvel, Ana Gomes tem também um apartamento no centro de Cascais – adquirido em 2016, segundo fonte próxima da ex-eurodeputada, por 260 mil euros – cujo valor de mercado se estima que ronde os 500 mil euros.

Porém, sendo o valor patrimonial declarado da casa na Azóia de 311 mil euros, a comentadora da SIC nunca teve de pagar o Adicional ao IMI (AIMI), também conhecido como “Imposto Mortágua”, que é aplicado aos proprietários de prédios urbanos com elevado valor patrimonial.

De acordo com as regras em vigor para os particulares, o AIMI compreende três escalões de taxas: uma taxa de 0,7% sobre o valor patrimonial dos imóveis que exceda os 600 mil euros (ou 1,2 milhões de euros para os casados e unidos de facto que optem pela tributação conjunta); outra de 1% quando o valor ultrapassa um milhão de euros; e uma terceira de 1,5% para os valores acima dos dois milhões de euros.

Uma vez que o seu valor patrimonial declarado no papel não excede esses números, a ex-diplomata fica excluída de pagar este imposto e, por isso, diz não estar “a beneficiar de rigorosamente nada”.

A vivenda em causa está situada num terreno de 3 mil metros quadrados, numa quinta que se insere no Parque Natural de Sintra e foi comprada pelo marido de Ana Gomes em 1993 por 25 mil contos (o equivalente a 125 mil euros).

Após a morte do marido, em julho de 2020, Ana Gomes saiu dessa propriedade, na qual vivia desde 1994 após terem sido feitas obras de reconstrução e valorização, e o imóvel foi colocado à venda por 2 milhões de euros.