A Câmara Municipal de Sintra não recebeu qualquer pedido de licenciamento para a construção de uma piscina e de um anexo no imóvel na freguesia de Colares, em Sintra, em pleno Parque Natural de Sintra-Cascais, de que Ana Gomes é co-titular. Questionada pelo Nascer do SOL, a autarquia garantiu que «após consulta do processo», constatou que «não estava referenciada a construção da piscina e casa de apoio», elementos que são publicitados nos anúncios de promoção da moradia, que foi colocada à venda por dois milhões de euros pela antiga diplomata e pelos seus enteados.
Em imagens a que o Nascer do SOL teve acesso a partir do Google Earth é possível ver que a piscina e a respetiva casa de apoio começaram a ser construídas por volta de 2006/2007. Dadas as benfeitorias feitas nessa altura em evidente cladestinidade, a Câmara de Sintra adiantou que, «perante a situação agora detetada da ausência de licenciamento da piscina e casa de apoio, tomará as iniciativas que o quadro legal aplicável prevê, com vista à reposição da legalidade».
Em declarações ao i nesta semana, a antiga eurodeputada admitiu que foram feitas obras de melhoramento na propriedade ao longo dos anos, desde que foi adquirida pelo marido, António Franco, em1993.
Segundo a Câmara de Sintra, o imóvel «obteve uma licença de construção em 1993 e em 1994 dá entrada na Câmara Municipal de Sintra um pedido de alteração ao projeto, que é aprovado nesse mesmo ano», mas em nenhum desses processos são referidas essas construções. Já a licença de utilização «foi emitida em 2003, em nome de Fernando Reino e António Franco». A atual gestão camarária, eleita em 2013, reitera ainda que «não teve qualquer interferência no processo em causa».
Considerando que a propriedade, de 3 mil metros quadrados, localizada em pleno Parque Natural de Sintra-Cascais, está inserida numa área protegida e de elevado risco de erosão hídrica do solo, segundo os mapas da Reserva Ecológica Nacional (REN), o Nascer do SOL questionou igualmente a Parques de Sintra-Monte da Lua sobre a sua eventual atuação na autorização e fiscalização destas obras. Os responsáveis do Parque Natural responderam que «a propriedade em questão encontra-se fora das áreas sob gestão da Parques de Sintra», uma vez que nenhuma das áreas entregues à sua gestão inclui propriedade privada e, por essa razão, «não tem quaisquer competências» nesta matéria.
Também na caderneta predial da Autoridade Tributária que o Nascer do SOL consultou (e que parcialmente se reproduz nestas páginas), com os dados de avaliação do imóvel, é referido que a inscrição na matriz foi feita em 2010 e que o valor patrimonial tributário (VPT) atribuído pela Autoridade Tributária (AT), em 2019, era de 311 459 euros. Na descrição do prédio constam a área total do terreno, a área de implantação da casa, a tipologia, o número de pisos, mas não consta, pelo menos até à atualização em 2019, qualquer referência à piscina, que já existia em 2007. Note-se que este tipo de equipamento conta para o cálculo do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). No documento, também se declara não existir nenhuma «divisão suscetível de utilização independente». Mas num dos anúncios de venda da casa fala-se expressamente numa «guest house, com kitchenette e casa de banho com duche», em clara contradição com aquilo que foi declarado e que é verificável nas imagens que se reproduzem.
Tal como o fiscalista António Pragal Colaço já tinha explicado ao i, «quando são feitas obras num prédio urbano» para valorizar um imóvel, tal como Ana Gomes admitiu ter feito, «tem de ser entregue a Modelo 1 junto da Autoridade Tributária, porque vigora o princípio declarativo». Ou seja, em termos legais, o proprietário tem a obrigação de comunicar ao Fisco as alterações que forem introduzidas na planta inicial, incluindo as piscinas.
Acontece que, quando um proprietário faz a declaração, «pode subtrair coisas ou reduzir áreas que sabe que lhe vão automaticamente dar um valor patrimonial tributário mais baixo, o que lhe permite pagar menos IMI», apontou o fiscalista, acrescentando que «como as Finanças nunca vão averiguar, o imóvel fica com o valor patrimonial tributário calculado em função do que é declarado na Modelo 1 e depois de três em três anos é atualizado em função de um coeficiente de desvalorização da moeda».
Exemplo disso foi o caso, que veio a público em 2014, do antigo presidente da Câmara Municipal da Amadora, Joaquim Raposo, que não declarou na caderneta predial a piscina numa casa em Fontanelas, Sintra.
Na passada segunda-feira, o i noticiou que a avaliação do imóvel feita pelas Finanças, que está muito abaixo do valor pelo qual foi colocado à venda, permitiu à antiga eurodeputada nunca ter de pagar o Adicional ao IMI, que é aplicado aos proprietários de prédios urbanos com elevado valor patrimonial. Em causa está uma diferença de quase 1,7 milhões de euros, entre o VPT e o valor no mercado.
Em reação a essa notícia, no direito de resposta que exerceu e que foi publicado na edição de sexta-feira do i e nas homepages das edições online do i e do Nascer do SOL, a antiga candidata à Presidência da República garante que «todos os impostos devidos» relativos à propriedade na freguesia de Colares «foram sempre pagos na totalidade e de acordo com a lei», alegando que, aquando do falecimento do marido em julho de 2020, o imóvel voltou a ser notificado ao Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e às Finanças na declaração de herdeiros que teve de fazer em agosto de 2020.
«Quer o valor matricial dos imóveis, quer o montante dos respetivos impostos, foram atualizados ao longo dos anos, segundo os critérios normais e gerais da autoridade fiscal. Em todas as situações referidas cumpri com os meus deveres éticos e legais», escreveu Ana Gomes.
Confrontada pelo Nascer do SOL com os factos confirmados pela Câmara de Sintra e noticiados nesta edição, Ana Gomes não quis prestar esclarecimentos.