Dietrich Bonhoeffer. O pastor protestante que participou no atentato a Hitler

Poderá um cristão participar na morte de um tirano? Um conspirador continua a ser digno de celebrar a Santa Ceia? Dietrich Bonhoeffer, um pastor que participou no atentado contra Hitler em 1944, foi assaltado por estas dúvidas. Acabaria por ser executado em Flossenburg.

Pode um cristão participar na morte de um tirano? Ainda que com a consciência dilacerada, e após ter passado por diferentes fases do seu pensamento e postura face aos problemas da guerra e da paz (enquanto cristão), o pastor luterano, e um dos mais relevantes teólogos do século XX, Dietrich Bonhoeffer, assumiu que a voz da consciência prevalece sobre quaisquer considerações morais e, em nome da responsabilidade pelos outros, arriscou, com o propósito de evitar muitos outros homicídios, participar de uma rede que se uniu com vista a realizar um atentado que procurou pôr fim à vida de Adolf Hitler.

1. Dietrich Bonhoeffer nasceu em 1906, em Breslau (Breslávia), numa família extensa (sete irmãos, entre os quais uma irmã gémea) de traços aristocratas. A sua mãe, Paula von Hase, foi das primeiras mulheres a licenciar-se e o pai, Karl Bonhoeffer, era Professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Berlim. A sua vocação religiosa/espiritual cedo ficaria estabelecida, sucedendo, assim, ao avô materno, também ele pastor luterano e capelão do Imperador (o pai de Dietrich, todavia, nunca se assumiu como cristão, crescendo o filho em um ambiente de laicidade e de grande abertura espiritual). Desde muito novo, receberia lições de piano e a música desempenharia um importante papel na sua vida. Concluiu a licenciatura em Teologia (em Berlim, 1923-1927, sob a égide dos maiores teólogos protestantes da época como Adolf von Harnak, completando os seus estudos no Union Theological Seminary, de Nova Iorque). Vigário na paróquia alemã de Barcelona, nos anos de 1928-1929, foi um homem muito viajado, tentando sempre não apenas alargar os seus conhecimentos e cultura, como contribuir para, em tempos em que via assomar o belicismo, formar uma rede de cristãos – independentemente da Igreja a que pertencessem – que envidasse todos os esforços para impedir o alastrar do conflito. 

Ao longo do seu trajecto (pensamento-acção), principiaria por não ser propriamente insensível ao nacionalismo e ao conceito de “guerra justa”. Converter-se-ia, mais tarde, ao pacifismo. Mas, finalmente, deste arrancaria, de novo, para a determinação em combater e aniquilar o tirano (Hitler).

Em 1931 é ordenado pastor, em Berlim, na Igreja de São Mateus. Será nomeado Docente de Teologia da Universidade de Humboldt, a mesma de seu pai. Começa com 15 estudantes, mas a sua convicção, capacidade inspiradora, energia e qualidade de ensino depressa lhe granjeiam centenas de alunos. Em 1932, viaja por vários países. Fixar-se-á, posteriormente, e a partir do momento em que torna clara a sua clara oposição à ala da Igreja luterana que sustentava um compromisso com o regime nazi (entretanto emergente), durante um ano, em Londres. Entre 1935-1939, estabelecer-se-á na Alemanha, já com os nazis no poder. Dará seminários de modo clandestino, com vista à formação de uma resistência espiritual ao nazismo. Em 1934, ali surgira a Igreja confessante, em oposição à Igreja do regime, e Bonhoeffer foi chamado a formar os pastores dessa Igreja. Com a Gestapo (polícia secreta oficial da Alemanha nazi) a controlar o país ao milímetro, alguns dos seus formandos serão enviados para a linha da frente. Ele que tinha tido um irmão morto em guerra aos 19 anos, afastar-se-á, então, para os EUA; porém, os remorsos por não estar ao lado do seu povo, no momento da maior dificuldade possível, levá-lo-ão, apesar de todos os perigos – e quando a licença para dar aulas, no país natal, já lhe tinha sido retirada, sendo expulso oficialmente da Universidade em 1936 -, a embarcar de novo para a terra pátria. Aí, através de ligações familiares, irá ser colocado nos serviços secretos do Exército, o que lhe permitirá não ser mobilizado e, ao mesmo tempo, mover-se por todo a parte com à vontade. Entre 1940-1943, Bonhoeffer viaja várias vezes por Noruega, Itália, Suíça e escreverá “Ética”, durante a sua residência num mosteiro da Baviera. Participará, com outros membros do Exército, de uma rede que, no limite, efetuará tentativa de tiranicídio (mal-sucedida). Seria detido a 5 de abril de 1943 (com sua irmã e cunhado), resistindo aos interrogatórios para revelar os intentos em marcha para depor Hitler (o atentado contra Hitler, conhecido por “Operação Valquíria”, liderado por Claus von Stauffenberg, ocorreria mais de um ano depois, a 20 de julho de 1944, com o tirano a conseguir sair ileso), e deportado para o campo de concentração de Buchenwald. Seria executado em Flossenburg.

Nas palavras de Bruno Maggioni (“Prefácio”, a “Dietrich Bonhoeffer. Teólogo e mártir do nazismo”, de Giorgio Cavalleri, ed. Paulinas, 2019), “diz-se de Bonhoeffer que, após a leitura da condenação por parte do tribunal, antes de envergar o traje de prisioneiro, estava ajoelhado, na presença íntima do seu Deus. O médico que o assistiu até ao fim disse que em toda a sua vida nunca tinha visto um homem tão abandonado a Deus. O abandono e a certeza de que a sua oração seria atendida, naquele homem extraordinariamente simpático, impressionou-o profundamente. Junto ao lugar da execução, viu o pastor luterano elevar uma breve oração e depois subir, com coragem e dignidade, a escada que conduzia ao patíbulo”.

Pouco antes de ser colocado na prisão da Gestapo, em outubro de 1944, estabelecera, aos 37 anos, uma relação amorosa muito firme com uma jovem de 19 anos, com quem fará uma troca epistolar considerável.

 

2. Em “Ética” (ed. Assírio e Alvim, 2007), um livro motivado por uma questão que um detido italiano fez ao teólogo (porque deveria um cristão participar na resistência a Hitler? Não estaria a sujar as suas mãos?), Dietrich Bonhoeffer evidencia com clareza não pretender uma cidade de Deus, povoada de figuras angelicais, oposta a uma cidade dos homens, naturalmente corrupta e corrompida por seres pecadores. Ninguém deve afastar-se dos homens para abeirar-se dos Céus: “Enquanto Cristo e o mundo forem pensados como dois espaços em colisão e mutuamente repulsivos, ao homem restam as seguintes possibilidades: após a renúncia ao todo da realidade, ele instala-se num dos dois, ou em Cristo sem mundo, ou no mundo sem Cristo; em ambos os casos, porém, se engana a si próprio”. Na verdade, bem lido o Novo Testamento, afirma o teólogo protestante alemão, desaparecem os dois âmbitos: não há duas esferas, apenas uma realidade (“e esta é a realidade de Deus na realidade do mundo tornada manifesta em Cristo”). A realidade do mundo e a realidade de Cristo estão unidas; são uma só realidade. Porém, são evocados de imediato os perigos de um amor ao mundo pelo mundo. Amor puramente materialista. Dito de outra forma, de um amor ao mundo sem Deus: “há um amor ao mundo que é ódio a Deus (Tg 4,4; Jo 2,15), porque brota da essência do mundo em si e não do amor de Deus pelo mundo”. Ou seja, “imagem oposta ao homem assumido na figura de Jesus Cristo é o homem criador de si, seu próprio juiz e renovador, o homem que vive falhando a sua própria humanidade e que, portanto, antes ou depois, a si mesmo destrói”.

É verdade que, segundo o autor de “Ética”, a Igreja não tem o direito de se apropriar do poder estatal, mas não pode, igualmente, ensimesmar-se e isolar-se da política, quando o Estado lesa os direitos humanos fundamentais. Mais, quando tais direitos são postergados, Bonhoeffer propõe um critério de acção eclesial bem claro e concreto: 

“Primeiro, requestar directamente ao Estado o carácter politicamente legítimo do seu agir, isto é, a responsabilização estatal. Em segundo lugar, estar ao serviço das vítimas da conduta estatal. A Igreja tem uma obrigação incondicional de prestar ajuda às vítimas de cada ordenamento social, mesmo se elas não fazem parte da comunidade cristã. A terceira possibilidade consiste não só em unir as vítimas sob a roda, mas também em inutilizar a roda nos seus raios”.

 

3. Em artigo assinado na revista Brotéria (“Pode uma guerra ser justa? Notas a propósito do 4.º centenário da morte do P. Francisco Suárez”, Volume 185, dezembro de 2017), o jesuíta Francisco Sassetti da Mota revisitava, em anos recentes, a longa, rica e complexa tradição do pensamento cristão sobre a (possibilidade de) “guerra justa” – que remontará a Santo Agostinho (354-430) -, privilegiando o pensamento de Tomás de Aquino (1225-1274) e Francisco Suárez (1548-1617). Assim, assinala na “Summa Theologiae” de Tomás de Aquino: “Para São Tomás conduzir uma guerra será, na melhor das situações, pecaminosa só algumas vezes. O que é preciso saber é se em algumas outras vezes não será pecaminosa – e se sim, em que condições. Ou seja: a questão de S.Tomás deixa ver que, (1) embora possa haver casos em que as guerras sejam justificadas (= guerrear não é sempre pecado), (2) no entanto, o habitual é que seja o pecado a motivá-las (= guerrear é pecado, amiúde). A questão de São Tomás reflecte a complexidade do problema e a necessidade de uma resposta matizada. Evitam-se, com isso, afirmações precipitadas e absolutas. (…)Finalmente, a terceira nota: afinal, que condições devem estar reunidas para que uma guerra possa ser justa? Neste ponto, São Tomás segue fielmente a tradição recebida de Santo Agostinho. Para que uma guerra seja justa, são necessários três elementos: em primeiro lugar, a causa que dá origem à guerra tem que ser justa; em segundo lugar, a intenção de quem a leva adiante tem que ser reta; e, em terceiro lugar, a autoridade que a decreta tem que ser legítima. (…)”. Quanto a Francisco Suárez, o cerne do seu “pensamento sobre a guerra parte deste princípio: de acordo com a razão natural, é justa toda a guerra que se destine a repor “uma injustiça grave que não possa ser reparada de nenhuma outra forma”. “Precisamente porque a devastação provocada pela guerra é tão vasta, para que uma guerra seja justa também o seu processo tem que ser justo; e para que uma guerra seja justa, também as suas consequências têm que ser justas (os exemplos de Suárez são geralmente ligados à injustiça da destruição dos meios de sustento de uma nação – dos seus campos de colheita, ou da sua infraestrutura). Este é um dos pontos mais comentados na academia contemporânea quando se pensa a justiça da guerra”.

Giorgio Cavalleri, escritor e historiador italiano que assina uma biografia de Bonhoeffer (“Dietrich Bonhoeffer. Teólogo e mártir do nazismo”, Paulinas, 2019), sistematiza o pensamento (e a postura) de Bonhoeffer sobre as questões da guerra e da paz em três etapas bem distintas: a) até 1929, até ao seu embarque para Nova Iorque como bolseiro, nele se pode detectar uma teologia nacionalista relativamente clássica; b) de 1930 a 1939, propõe uma forma radical de pacifismo; c) a partir de 1940, na sequência do seu regresso à Alemanha, Bonhoeffer elabora uma ética que tenta avaliar as acções mais adequadas em cada contexto específico, em vez de seguir princípio absolutos preestabelecidos.

Questionado pelo intelectual francês Dominique Wolton, expressamente, sobre a possibilidade de uma “guerra justa”, observa o Papa Francisco: “Nos tempos que correm, devemos reflectir bem sobre o conceito de ‘guerra justa’. Aprendemos, em filosofia política, que, para nos defendermos, podemos fazer uma guerra e considerá-la justa. Mas será que se pode dizer uma ‘guerra justa’? Ou antes uma ‘guerra de defesa’? Porque a única coisa justa é a paz” (“Um futuro de fé”, ed. Planeta). Wolton: onde estava Deus em Auschwitz? “Deus estava nos cristos que foram mortos e feridos. Deus manifesta-se sempre na carne (…) Em Auschwitz, vi como era o homem sem Deus. (…) Quem fez aquilo? Um homem que se esqueceu de que foi feito à imagem de Deus”.

Em “A estranha ordem das coisas” (Temas e Debates, 2017), António Damásio explicou por que a guerra não é um estádio ultrapassado: “Porque será que os seres humanos eliminam periodicamente, pelo menos em parte, os ganhos que fizeram culturalmente? (…) Segundo a perspectiva biológica que delineei, os repetidos fracassos dos esforços culturais não deveriam surpreender. Eis porquê. A base fisiológica e o principal interesse da homeostasia [tendência para o equilíbrio e a conservação de elementos fisiológicos e do metabolismo, através de elementos de regulação] básica é a vida de um organismo individual dentro das suas fronteiras (…) Freud viu a bestialidade do nazismo como uma confirmação de que a cultura nunca seria capaz de domar o nefasto desejo de morte que ele acreditava estar presente em cada um de nós. (…). Em 1932, Einstein escreveu a Freud, pedindo conselhos sobre como prevenir a conflagração mortífera que ele via aproximar-se (…). Na sua resposta, Freud descreveu a condição humana com uma clareza impiedosa e lamentou-se a Einstein dizendo-lhe que, tendo em conta as forças que estavam em jogo, não tinha quaisquer conselhos a dar, não tinha como ajudar, não tinha qualquer solução, tinha pena e não mais. Note-se que o principal motivo para o seu pessimismo era a condição internamente imperfeita do ser humano. Não atribuía culpas às culturas, nem a grupos específicos. Apenas culpava os seres humanos. Ainda hoje, aquilo a que Freud chamou de ‘desejo de morte’ continua a ser um factor importante por trás dos fracassos sociais humanos, embora eu o descrevesse com termos menos misteriosos e poéticos. Segundo penso, esse factor é um componente estrutural da mente cultural humana. Em termos neurobiológicos contemporâneos, o ‘desejo de morte’ de Freud corresponde à activação desregrada de um conjunto específico de emoções negativas, a subsequente perturbação da homeostasia e o caos avassalador que isso provoca nos comportamentos humanos individuais e colectivos”.

Face ao nazismo, em uma escolha repleta de escolhos e espinhos sem dúvida, talvez se pudesse observar que quem entende(u), ultima ratio, a opção pelo tiranicídio (professando, em simultâneo, uma fé cristã, levada a sério), e a oposição militar ao regime de Hitler, tenha entendido que em nome de um valor cristão – a paz, a não violência -, se instalaria de Berlim a Moscovo, de São Petersburgo ao continente Americano, um regime, um inteiro modo de vida não apenas não cristão, mas marcadamente anti-cristão (o “reich dos mil anos” imporia a “raça” como deus, o ódio ao outro como “obrigação”, a violência e ausência de paz como “necessidade” até uma putativa eliminação completa dos “degenerados”, em última instância todos os que não se revissem no regime). De aí, respectivamente, as posições tiranicida (face a Hitler) e de oposição pela força militar de combate à Alemanha nazi (dado que o regime nazi mostrara, sem lugar à mais pequena dúvida, que recusava qualquer diálogo digno desse nome, antes instrumentalizando qualquer simulacro de conversação para os seus fins de alargamento da sua concepção “imperial”).

Sem abordar explicitamente o tiranicídio, Bonhoeffer escreveu de um modo que podemos considerar particularmente relevante para essa problemática: “arbitrário é qualquer homicídio consciente de uma vida inocente”. Ou seja, regista Cavalleri, “retira, de facto, à proibição [de matar] o seu carácter absoluto. Por outras palavras, se o homicídio só é ilegítimo quando a vítima é inocente, o tiranicídio pode ser classificado como pertencente à categoria dos homicídios autorizados”. Numa entrada de 16 de outubro de 1942 do seu Diário, Maria, futura noiva de Bonhoeffer, anota a conversa que tivera com ele: “Diz ele que entre nós é tradição que os rapazes se alistem como voluntários. Em seu entender, porém, também deve haver pessoas que podem combater seguindo apenas as suas próprias convicções pessoais. Se aprovam o motivo da guerra, então está bem. Mas se assim não for, a melhor maneira de servir a pátria é operar na frente interna, talvez até contra o regime. Portanto, a sua missão seria evitar durante o máximo de tempo possível servir a Wehrmacht”. 

As atrocidades nazis são sem fim nem limite, o Führer o alfa e ómega da vida política alemã, a barbaridade sem nome a que dá origem clama aos Céus. Ao mesmo tempo, Bonhoeffer não ignora nem esquece as obrigações máximas para com o próximo (de um cristão apaixonado). Ardem as interrogações que permeiam o teólogo: “Já há tempos que se deu conta da demoníaca capacidade sedutora de Adolf Hitler. Por outras palavras, o chefe do nazismo aproveitou-se da religiosidade alemã, desde o início do seu mandato, para usar Deus para os seus fins, e Bonhoeffer considera que isso não pode continuar a ser tolerado. Parece-lhe necessário intervir inclusive em termos drásticos e dramáticos – como a superação das suas posições pacifistas -, mesmo que estes lhe possam dilacerar a consciência. Será que um cristão pode participar na morte de um tirano? Será possível atentar contra a estrutura estatal do próprio país? Porventura um conspirador, mesmo contra um tirano cruel e sanguinário, poderá continuar a exercer como pastor? De qualquer modo, pelo menos a nível moral, continuará a ser digno de celebrar a Santa Ceia com os fiéis? É assaltado há algum tempo por tais interrogações… Agora, porém, considera que a medida está cheia e que é necessário agir para salvação do povo, remetendo-se ao juízo de Deus e abandonando-se à sua misericórdia e à sua graça. Está cada vez mais convencido de que a Revelação implica mais uma fé do que uma religião e que, seja como for, exige uma responsabilização pessoal por assumir o destino dos outros. Por amor aos outros, mesmo que seja necessário assumir a cruz”.

Na ponderação e síntese de Giorgio Cavalleri, “em todo o caso, quando a voz da consciência prevalece sobre todas as considerações, inclusive morais, a proibição de matar pode não ser tida em conta, sobretudo se determinado homicídio permite que se evitem outros. Além disso, o tiranicídio não está em contradição total com um certo pacifismo, se estiver associado à objecção de consciência”.

Publicadas de modo póstumo, pelo seu amigo Bethge, com o título “Resistência e Submissão” (sigo aqui a edição em castelhano, da Sígueme, 2008), as suas cartas e escritos durante a prisão em Tegel espelham, com meridiana clareza, as dúvidas, a complexidade, a tensão que perpassava o autor. De outra banda, tais textos, muito curiosamente, permitem, também, ecoar, de um preso que seria condenado à morte (um “mártir do nazismo” no dizer de Cavalleri) o que uma detida de Auschwitz como Etty Hillesum escreveu no seu “Diário 1941-1943” (ed. Assírio & Alvim), e repetirá ipsis verbis o que já escrevera em “Ética” e que assim aparece como núcleo decisivo do seu pensamento: “O caminho seguro do dever parece ser o indicado para evadir-se dessa desconcertante profusão de decisões possíveis (…). Mas, limitando-se a cumprir com o dever, nunca se assume o risco da acção realizada em nome da responsabilidade mais pessoal, a única capaz de acertar no coração do mal e de o vencer. O homem do dever terá, finalmente, que cumprir o seu dever inclusivamente ante o próprio diabo”.