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A primeira fase da invasão da Ucrânia terminou, anunciou o Ministério da Defesa russo, nesta sexta-feira. Agora que «o potencial de combate das forças armadas da Ucrânia foi consideravelmente reduzido» por esta «operação especial», como lhe gosta de chamar o Kremlin, as forças de Vladimir Putin podem focar-se no seu «objetivo principal: libertar Donbass», declarou Sergei Rudskoi, que encabeça o equivalente ao Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia.
Este anúncio tem sido interpretado como admissão do falhanço das forças russas. Estas avançaram em múltiplas frentes (ver infografia), mas estacaram o passo às portas de Kiev e Kharkiv, que se viram impossibilitados de cercar. E no sul avançaram mais lentamente do que seria de esperar, tomando Kherson mas sendo travados em Mykolaiv, bloqueando a estrada para Odessa.
O anúncio do novo foco russo em Donbass servirá para Putin salvar a face e dar a ideia de que não está a perder a guerra, disse uma fonte diplomática em Moscovo à Reuters. «Os seus objetivos de guerra são, eram, muito mais amplos que Donbass», explicou. «Deixando as suas forças divididas com ataques mal coordenados em múltiplas frentes, por tropas pouco preparadas».
No entanto, é possível fazer outra análise. Mariupol – em tempos o grande polo industrial da Ucrânia, a chave para controlar o Mar de Azov, essencial para criar um corredor entre Donbass e a Crimeia, que sempre foi dada como um dos principais alvos de uma eventual invasão russa – foi despedaçada por bombardeamentos e já tem tropas russas a combater nas ruas. Caso caia, estas forças poder-se-ão dirigir ao Donbass, à retaguarda da Joint Forces Operation (JFO). Trata-se da nata das forças profissionais ucranianas, ali estacionadas há anos, e que com a invasão foram apanhadas de frente para os separatistas de Donetsk e Luhansk.
A perda deste contingente no campo de batalha seria desastroso para a Ucrânia, salienta Carlos Branco, major general na reserva e investigador do IPRI.
«A Rússia não alterou a sua atitude ofensiva. Mariupol, se não caiu, está por horas», disse ao Nascer do SOL, pouco antes do Kremlin anunciar o fim da primeira fase da invasão. «Os russos estão no centro da cidade», frisou. Lembrando que, apesar da ferocidade que vem com os defensores saberem que não terão misericórdia – Mariupol é o centro de milícias nacionalistas ucranianas como o batalhão Azov, responsável por atrocidades contra russófonos, «há mau sangue», aponta o major general – da parte dos russos, estão cercados há demasiado tempo para resistir.
«Há analistas que preveem que ainda haja combates durante uma, duas semanas. Mas eu não sei como é que eles vão combater durante esse período, sem munições e sem comida», avalia Carlos Branco.
«E a partir do momento em que os russos consigam resolver o seu problema de Mariupol, vão concentrar-se no grosso das forças ucranianas», explica, referindo-se às tropas na linha da frente em Donbass, bem próximo de Mariupol. «Os combates continuam por toda a Ucrânia, em particular na zona de Donetsk», salienta. «Aí está a elite militar ucraniana, que se tem batido de uma forma brilhante, tenaz, têm ultrapassado todas as expectativas. Mas duas brigadas deles já foram desbaratadas e estão numa posição muito difícil».
Já as ofensivas russas contra cidades-chave, que a Ucrânia não pode deixar cair, como é o caso de Kiev e Kharkiv, tem sido o foco da cobertura mediática, até pelo seu impacto dramático na população. É impossível ignorar as imagens de civis a preparar cocktails molotov, de mulheres, crianças e idosos a esconderem-se em bunkers, caves e estações de metro, aterrorizados, ou a serem massacrados quando tentavam escapar, como se viu em Irpin, perto da capital.
Mas esses ataques – após o excesso de confiança inicial dos russos, que nos primeiros momentos da invasão tentaram tomar Kiev e Kharkiv recorrendo a colunas ligeiras sem grande apoio aéreo – servem em boa parte para «fixar as tropas ucranianas», considera Carlos Branco. Na prática, um dos grandes objetivos é destruir a a Joint Forces Operation, «mas envolver as cidades impede os reforços», explica. Estas forças estão há meses a resistir no mesmo sítio, na linha da frente, muito próximo da cidade de Donetsk. «Em Luhansk os russos ainda conseguiram furar».
«Se essas forças forem destruídas, depois torna-se quase insustentável a Ucrânia continuar a combater. A menos que se queira ir até ao último homem», analisa o major general. «E isso é muito ingrato, porque aí não se pode excluir a possibilidade dos russos arrasarem as cidades», acrescenta. Como até já aconteceu em Mariupol.
Não que entretanto, ao longo da última semana, as forças ucranianas não tenham infligido pesadas baixas aos russos. Lançaram contra-ataques em várias frentes, anunciando ter retomado território nos subúrbios de Kiev – em Makariv, Irpin, Bucha e Hostomel – de maneira a impedir o cerco à capital, mas também nos arredores de Kherson e Kharviv. Os russos até perderam um navio no porto de Berdyansk, nomeadamente Orsk, capaz de desembarcar uns 400 militares, 20 tanques e 45 carros de combate.
Ainda assim, dada a disparidade de forças entre russos e ucranianos, por mais valente e inesperada que seja a resistência dos defensores, «os contra-ataques que se têm registado não apresentam uma alteração da postura tática dos ucranianos», avalia o major general português. «São ataques pontuais e extremamente limitados».