As obras de melhoramento na quinta de que Ana Gomes é co-proprietária na Azoia, Colares, e que colocou à venda por 2 milhões de euros e já prometeu vender por valor inferior estavam dependentes de um parecer do Parque Natural Sintra-Cascais, exigido pela Câmara Municipal de Sintra. Após consultar o processo nesta autarquia, o Nascer do SOL constatou que esse parecer não existe, tendo o projeto de obras avançado na mesma, conforme é público e notório.
De acordo com a documentação consultada (e que a CMS disponibilizou para consulta após as notícias avançadas pelo jornal i e pelo Nascer do SOL dando conta da ilegalidade da construção de uma piscina e de um anexo), a Câmara de Sintra aprovou as referidas construções de melhoramento da casa principal, mas na condição de que seria apresentado esse parecer do Parque Natural autorizando-as.
Contudo, o proprietário, que era na altura António Franco (marido de Ana Gomes falecido em 2019), requereu que a entrega desse parecer não fosse considerada indispensável. Pedido que foi deferido pelo Presidente da Câmara de Sintra à época, Fernando Seara.
Contactado pelo Nascer do SOL, o ex-autarca recusou-se a prestar quaisquer declarações ou esclarecimentos sobre este assunto.
Acontece que num processo idêntico, em 2001, o Supremo Tribunal Administrativo declarou a nulidade do deferimento de licenciamento de obras particulares feito pela CM de Sintra, em terreno abrangido por Área de Ambiente Rural de Elevada Protecção Paisagística do Parque Natural de Sintra Cascais (PNSC), sem a autorização vinculativa da Comissão Diretiva de tal Parque, considerando que tal não era possível mesmo havendo deferimento tácito de tal autorização, visto que a lei, atentos os interesses públicos em jogo, exige essa autorização expressa.
Ou seja, no caso concreto da casa de Ana Gomes, o mesmo deferimento foi feito em desrespeito da lei, uma vez que a propriedade, de 3 mil metros quadrados, localizada em pleno Parque Natural de Sintra-Cascais, está inserida numa área protegida e de elevado risco de erosão hídrica do solo, segundo os mapas da Reserva Ecológica Nacional (REN).
Na edição passada, o Nascer do SOL já tinha questionado a Parques de Sintra sobre a sua eventual atuação na autorização das obras, ao que os responsáveis do parque natural responderam que «a propriedade em questão encontra-se fora das áreas sob sua gestão» e, por essa razão, «não tem quaisquer competências» nesta matéria.
Além desta manifesta irregularidade, acresce ainda que, tal como o Nascer do SOL_noticiou a semana passada, a Câmara Municipal de Sintra não recebeu qualquer pedido de licenciamento para a construção de uma piscina e de um anexo no imóvel na freguesia de Colares, em Sintra, de que a antiga diplomata é co-titular.
Na semana passada, a autarquia garantiu que «após consulta do processo», constatou que «não estava referenciada a construção da piscina e casa de apoio», elementos que são publicitados nos anúncios de promoção da moradia, que foi colocada à venda por dois milhões de euros por Ana Gomes e pelos seus enteados.
Dadas as benfeitorias feitas por volta de 2006/2007 em evidente cladestinidade, a Câmara de Sintra adiantou que, «perante a situação agora detetada da ausência de licenciamento da piscina e casa de apoio, tomará as iniciativas que o quadro legal aplicável prevê, com vista à reposição da legalidade».
Segundo apurou o Nascer do SOL, a autarquia decidiu abrir um processo para reposição da legalidade, designadamente para o licenciamento da piscina e do anexo, faltando saber se será ou não emitido parecer pelos responsáveis do parque natural.
Segundo a antiga eurodeputada, foram feitas obras de melhoramento na propriedade ao longo dos anos, desde que foi adquirida pelo marido, António Franco, em 1993.
A propriedade na sua origem, com um total de 23 mil metros quadrados, era composta por uma casa principal e outros edifícios em ruína, e foi adquirida em conjunto com o também embaixador Fernando Reino. Segundo a Câmara de Sintra, o imóvel «obteve uma licença de construção em 1993 e em 1994 dá entrada na Câmara Municipal de Sintra um pedido de alteração ao projeto, que é aprovado nesse mesmo ano». Já a licença de utilização «foi emitida em 2003, em nome de Fernando Reino e António Franco».
No projeto inicial, em que se propunha zelar pelo valor patrimonial daquele terreno, estava prevista a reabilitação da casa principal, além da edificação de uma casa anexa – que é a atual casa de que Ana Gomes é proprietária – através da unificação dos outros edifícios em ruína.
Na alteração, foi proposto um «projeto de estabilidade de um tanque e de uma escadaria de acesso». Mais tarde foi pensada a possibilidade de construção de um «tanque com bica», no local onde hoje se encontra a piscina, apesar desse licenciamento nunca ter sido feito.
Tal como o Nascer do SOL noticiou na edição passada, também na caderneta predial da Autoridade Tributária com os dados de avaliação do imóvel, é referido que a inscrição na matriz foi feita em 2010 e que o valor patrimonial tributário (VPT) atribuído pela Autoridade Tributária (AT), em 2019, era de 311 459 euros. Na descrição do prédio constam a área total do terreno, a área de implantação da casa, a tipologia, o número de pisos, mas não consta, pelo menos até à atualização em 2019, qualquer referência à piscina, que já existia em 2007. Note-se que este tipo de equipamento conta para o cálculo do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
Além disso, quando um proprietário faz obras num prédio urbano para valorizar um imóvel tem a obrigação de comunicar ao Fisco as alterações que forem introduzidas na planta inicial, incluindo as piscinas.
Na mesma caderneta predial, também se declara não existir nenhuma «divisão suscetível de utilização independente». Mas num dos anúncios de venda da casa fala-se expressamente numa «guest house, com kitchenette e casa de banho com duche», em clara contradição com aquilo que foi declarado e que é verificável nas imagens da propriedade no Google Earth.
No processo camarário relativo à propriedade, e disponibilizado pela Câmara de Sintra, não consta qualquer requerimento ou qualquer outro elemento desde o ano de 2003.
O Nascer do SOL tentou contactar insistentemente Ana Gomes, mas não obteve qualquer tipo de resposta.