Jamaica, Belize e Bahamas mostram-se cada vez mais próximas de virarem repúblicas e deixarem de ser estados vassalos da coroa britânica, seguindo o exemplo dos Barbados. E até o príncipe William sugeriu estar disposto a aceitar isso, este sábado, na reta final de uma visita às Caraíbas que virou desastre de relações públicas.
“Apoiamos com orgulho e respeito as vossas decisões sobre o vosso futuro”, declarou o duque de Cambrige, acompanhado da sua mulher, Kate, num discurso em Nassau, a capital das Bahamas. “As relações evoluem. A amizade perdura”, acrescentou William, admitindo que o seu papel “não é dizer às pessoas o que fazer”.
É difícil imaginar que o príncipe pudesse dizer outra coisa. A sua visita a estas antigas colónias britânicas, para celebrar o jubileu de Platina do reinado da Rainha Isabel II, foi vista como uma oportunidade da coroa mostrar um rosto moderno, numa altura em que o apoio à monarquia está fragilizado. Em vez disso, William e Kate foram recebidos com sucessivos protestos.
Se os tabloides britânicos notavam que o casal real “tocou corações” ou que Kate “deslumbrou”, lia-se no Sun, na imprensa caribenha questionou-se quem pagou a viagem. E deu-se destaque à imagem dos dois vestidos de branco perante uma parada militar, tecendo comparações com governantes coloniais, ou às suas fotos a cumprimentar crianças jamaicanas através de grades.
A visita do príncipe revelou-se uma “tempestade perfeita”, avaliou Philip Murphy, professor de história da Commonwealth na Universidade de Londres, ao Guardian. O que arrisca acelerar o afastamento de mais alguns dos 15 países dos quais Isabel II ainda é chefe de Estado.
“Há profunda sensibilidade à volta dos legados do colonialismo, escravatura e à volta da presença da realeza nas Caraíbas”, explicou Murphy. “Às vezes fico com a sensação que o ministério dos Negócios Estrangeiros não percebe bem isso”.
Memória Logo à chegada, no Belize, a primeira visita do casal à plantação de cacau de Akte ’il Ha teve de ser cancelada, devido às queixas da comunidade indígena local, que está numa disputa de terras com a Flora and Fauna International, uma organização de conservação que tem William como patrono.
Em seguida, surgiram protestos de apoiantes da geração Windrush – centenas de milhares de caribenhos, sobretudo jamaicanos, transportados pelo Estado britânico para o Reino Unido para reconstrui-lo após a II Guerra Mundial, a quem nunca foi entregue a prometida documentação, muitos dos quais têm sido deportados nos últimos anos, mais os seus descendentes – e de ativistas anticoloniais.
Aliás, o próprio primeiro-ministro jamaicano, Andrew Holness, fez questão de anunciar em conferência de imprensa, ao lado de William, que a Jamaica vai “seguir em frente”. Explicando no Twitter que é “inevitável” tornar-se uma república, para concretizar a ambição de ser um “país independente, desenvolvido e próspero”.
“Seh yuh sorry”, lia-se nos cartazes lá fora, “pede desculpa”, em patoá jamaicano, que junta o inglês com as línguas da África ocidental faladas por descendentes de escravos. De facto, o príncipe pediu desculpa, frisando que “a escravatura foi abominavel”. Mas os ativistas querem mais, como compensação financeira.
William e Kate são “beneficiários diretos da riqueza acumulada pela família real durante séculos”, lembrava uma carta de ativistas, políticos e personalidades jamaicanas. “Não vemos qualquer razão para celebrar os 70 anos da ascensão da sua avó ao trono britânico. Porque a liderança dela, e dos seus predecessores, perpetuou a maior tragédia de direitos humanos na história da humanidade”.