Levanta-se a noite

Se a noite cai, vinda lá de cima, não deveria ir largando a escuridão à sua passagem?

Por Paulo Romão, Designer

“Cai a noite sobre o vale…”

Pergunto-me quantas vezes não terei já deparado com esta expressão, escrita ou falada, querendo sem qualquer dúvida ilustrar um poético anoitecer. É uma daquelas expressões que convive connosco desde sempre e que, por isso, é fácil aceitá-la e apreendê-la sem dúvidas e sem reservas.

É uma expressão redonda, que cai bem. Tal como a noite. Mas será verdade? Será que a noite realmente cai?

Assaltou-me esta dúvida um dia destes. Quando assistia ao seu fim, contemplando um belo vale que, pouco a pouco, ia escurecendo. A penumbra tomava conta dele e dava ao céu um protagonismo e uma beleza que nas horas anteriores eram partilhados por ambos.

Se a noite cai, vinda lá de cima, não deveria ir largando a escuridão à sua passagem? Começando por escurecer o céu e avançando em direção ao solo, onde permaneceria até à manhã seguinte? Verifica-se, no entanto, que o sentido em que avança a escuridão é contrário ao sentido da queda. Na realidade, os vales mergulham na escuridão enquanto ainda existe luz no céu.

Fará então mais sentido dizer que a noite se levanta. Espreguiça-se e levanta-se lentamente dos vales, estendendo os seus braços de escuridão até ao céu, lá em cima.

E mantém-se acordada até à manhã seguinte, deitando-se depois, cansada e feliz, de novo nos vales, deixando o dia cair e retomar o seu curso.