Baralha e volta a dar

A vantagem de um governo ter maioria absoluta é que pode pôr e dispor sem dar cavaco a ninguém. E sem olhar a consequências ou querer saber de suscetibilidades feridas. Mas engana-se, António Costa, se acha que ter a maioria lhe retirará o escrutínio. Pelo contrário.

por Sofia Aureliano

A vantagem de um governo ter maioria absoluta é que pode pôr e dispor sem dar cavaco a ninguém. E sem olhar a consequências ou querer saber de suscetibilidades feridas. Mas engana-se, António Costa, se acha que ter a maioria lhe retirará o escrutínio. Pelo contrário. Agora deixa de ter parceiros para transformar em bodes expiatórios sempre que dá jeito, sob a narrativa da imperiosa necessidade de negociar e fazer cedências em prol da estabilidade. Também já não pode evocar fantasmas de governações passadas (na realidade, há muito que moralmente já estava impedido de o fazer!), porque a governação passada é sua. Agora, é responsável absoluto pelas decisões que toma, pelas ações e pelas omissões. E por todas as escolhas.

O elenco governativo nomeado diz muito sobre o que são as prioridades de António Costa para o próximo mandato. E sobre a sua noção, muito própria, do que está certo e é para manter, e do que está errado e precisa de ser melhorado.

 

1. Mais do mesmo?

A ausência da necessidade de seguir uma agenda de esquerda não desvia António Costa das bandeiras ideológicas dos antigos parceiros. A experiência deu-lhe ensinamentos valiosos e sabe que nada perde com a prossecução do politicamente correto. Há sempre quem morda o isco. Veja-se o alarido em volta da contagem de cabeças nas pastas ministeriais. O género é notícia. Pouco se fala, contudo, no curriculum.

Resta-nos esperar que o upgrade do número de mulheres ministras tenha sido uma consequência de uma escolha meritocrática e não uma imposição estética. Se assim for, é uma boa notícia. Mas se o objetivo era alimentar a manchete de ser “o primeiro governo com mais mulheres do que homens”, é mais do mesmo. E sabe a muito pouco. O título, per si, é do mais redutor que há. Quando é que se determina que mais importante do que ter mais mulheres do que homens no governo, é ter as pessoas certas nas pastas certas? A este respeito, resultam dúvidas.

 

2. A Saúde e a Educação.

Já neste espaço se dedicaram vários textos à Saúde e à Educação, dois pilares estruturantes de um estado democrático. Nos dois casos, António Costa optou pela continuidade e não pela mudança. O que leva a crer que ache que, nestes setores, está tudo bem. E que foi tudo bem feito.

Não está e não foi. Quer Marta Temido, quer João Costa (ministro sombra de Tiago Brandão Rodrigues) não deram provas de merecer ser premiados. São regentes de tutelas que não têm por hábito dialogar com os profissionais dos respetivos setores e, nos dois casos, quando o fazem acabam descredibilizados por não cumprirem o que prometem nem apresentarem soluções, acabando invariavelmente incompatibilizados com aqueles que deveriam ser os seus principais interlocutores. Como se pode augurar assim algo de bom? Será utópico esperar que sejam resolvidos os problemas crónicos dos dois setores, quando, em seis anos de governação socialista, só se agravaram. Para além de falta de ambição, há a noção (profundamente enviesada) de que se está a trilhar o rumo certo. Um mandato renovado só vem reiterar a estrada sem saída. Infelizmente, para quem aspirava à mudança, sem luz ao fundo.

 

3. Baralhar e voltar a dar.

Há nomes que parecem poder trazer algum ar fresco à governação. António Costa Silva e Elvira Fortunato são exemplos disso. Pessoalmente, deposito muitas expectativas na sua ação e faço votos para que tenham as condições necessárias para fazer um bom trabalho. António Costa deve-lhes isso, depois de ter alcançado o excelso feito de os convencer a integrar a sua equipa. São duas mentes brilhantes. Que não sejam talentos desperdiçados!

Por outro lado, há nomes que, sendo também novidades nas pastas, não fazem antever brilhantismos. Como o caprichoso Medina a gerir o orçamento do país, ou o irresoluto Cravinho a representar Portugal lá fora. Avistam-se problemas, no horizonte, a médio prazo.

Ana Catarina Mendes, Ana Abrunhosa, Ana Mendes Godinho e Mariana Vieira da Silva para além de mulheres (que servem o propósito bandeira), são apostas seguras de Costa que, depois de ser forçado a integrar putativos challengers no elenco governativo, precisa de se rodear de aliados que não o questionem e saibam seguir a voz de comando. Destes nomes sabe que pode esperar fidelidade, na saúde e na doença, até ao fim do mandato.

José Luis Carneiro, também inquestionável aliado, assume uma das tutelas mais complexas. E onde mais asneiras foram cometidas nos últimos anos. É uma herança indiscutivelmente pesada. O Secretário-Geral Adjunto do PS tem a tarefa de demonstrar que é mais do que um boy cumpridor e bem-mandado, sendo esta tanto uma grande oportunidade como uma faca de dois gumes. Esperamos para ver como corre, com a expectativa sincera de que se rompa finalmente o círculo vicioso do fracasso.

 

4. Tempo de arrumar a casa.

Agora que as instituições retomaram o normal funcionamento, é preciso recuperar o trimestre perdido. Portugal esteve num angustiante stand by, com o mundo a correr freneticamente lá fora e os problemas a acumularem. Aquém e além-fronteiras. Sem mandatados para os resolver, sem oposição para os sinalizar, nem comunicação social para fazer deles eco. Durante meses, ocupámo-nos todos a sobreviver, sem entusiasmo nem desígnio.

Acabaram-se as desculpas.

Tomou posse um governo de maioria absoluta que, exatamente por essa circunstância, precisa de ser escrutinado mais do que nunca.

O PSD entra também num novo ciclo, com uma iminente nova liderança partidária. Sendo o principal partido da oposição, cumpre-lhe reorganizar-se com eficácia e celeridade e arrumar rapidamente a casa, para se poder focar na missão que é objetivamente necessária: escrutinar a ação do governo e construir uma alternativa sólida de poder, capaz de alimentar a esperança dos portugueses numa vida melhor, consolidando uma efetiva e alcançável visão de futuro.

Que Portugal volte a ser o centro das atenções. Que o nosso olhar volte a estar sobre os portugueses.