por Octávio Rebelo da Costa
Moção de Estratégia Global – A SOMA QUE DÁ UM – a ser apresentada no XXIXº Congresso do CDS-PP
Vivemos uma fase da digitalização que é multidimensional e está fortemente enraizada na emergência social de um novo paradigma tecnológico (fato que não pode ser ignorado). Conseguimos ver e ouvir a Ucrânia em direto, trocar mensagens com um pequeno vendedor na China ou jogar online com um paquistanês, mas o CDS não consegue chegar ao eleitor.
Não haverá volta. Porque o novo normal não será o que conhecíamos. A pandemia acelerou o processo e transformou muito do que sabíamos relacionado com comunicação. Assim como a saúde pública foi outrora o garante civilizacional de sobrevivência, também será a digitalização completa da nossa organização, o que se tornará uma estrutura permanente para manter a nossa comunicação em todas as circunstâncias.
Ninguém é alheio a isto. Quase toda a gente tem pelo menos um telemóvel, e a maioria desses dispositivos são smartphones, ou seja, um poderoso computador com acesso à Internet no bolso, e um instrumento de comunicação sem paralelos históricos. Isso faz de nós cidadãos dissemelhantes, mas consensuais no facto de que independentemente de tudo, este processo é inevitável.
Podemos ter medo, mas continua inevitável. Em verdade e bom rigor, quanto menos tecnologicamente avançado for o um tecido social, uma região ou um país, mais se encontra exposto a fragilidades como o despedimento coletivo dos seus trabalhadores e à alienação dos seus cidadãos, uma vez que não consegue acompanhar a competitividade. Ou seja, as mutações tecnológicas não provocam desemprego. Pelo contrário, são criadoras de mais emprego, de maiores e mais fortes implementações de meios de comunicação e de uma sociedade mais conectada; que por si atrai mais emprego e investimento.
Contudo não é perfeito. Dizer com isto que foram eliminadas as diferenças no acesso à informação é um pleno e categórico exagero. Claro que há desigualdade social na sociedade digital. Como há também na sociedade em geral. O surpreendente seria o oposto. Porém, é experimentado em todo o mundo que a desigualdade no acesso à Internet é muito menor que a desigualdade de rendimentos ou da capacidade de gerar riqueza.
O motivo é muito simples: a comunicação é o que as pessoas mais valorizam como recurso, pois é essencial para o trabalho, relacionamentos, informações, política, entretenimento, educação, cultura, saúde e qualquer outra coisa.
Claro que existem problemas muito sérios nesta transição como a disparidade na implementação de redes atualizadas e programas fáceis de usar; o putativo esforço para difundir a literacia digital, a adaptabilidade/transformação das instituições; a resistência ideológica ou de manutenção da própria existência. Dois setores (de responsabilidade política) em particular são tremendamente resistentes: a administração pública e a educação “básica”. Isto reflete-se na resistência acentuada dos partidos mais dependentes das instituições clássicas de comunicação.
Obviamente que ambos os setores progrediram notavelmente, mas ainda estão consideravelmente atrás de firmas, instituições financeiras, organizações sociais, partidos novos, imprensa, universidade e até pessoas individuais.
Outro pavor que cria resistência é o medo do decair do tecido social pela ausência da presença física. O debandar dos valores e rituais passados em ambiente presencial.
Mas para aliviar esses medos, estudos mostram que o contato direto entre as pessoas não desaparece com a internet, pelo contrário, é estimulado. As duas formas de sociabilidade são cumulativas. E mostram também que um uso mais intenso da internet tem efeitos positivos na satisfação das pessoas, porque a internet favorece dois fatores fundamentais que causam essa satisfação: a densidade das relações sociais e o empoderamento pessoal.
Cada vez mais estamos perante uma sociedade híper social (sem precedentes históricos) e não uma sociedade de isolamento, na medida em que nunca foi tão fácil comunicar. O sistema de comunicação está cada vez mais digitalizado e gradualmente mais interativo. Presenciamos uma maneira de comunicar e trocar ideias assente num sistema de comunicação autónomo. Ou seja, são ideias concebidas por indivíduos ou grupos, sem a mediação do sistema de media, e podem chegar a todo o mundo, sem fronteiras.
Resumindo, hoje através desta horizontalidade da comunicação, é traço sine qua non a qualquer um que queira fazer alguma coisa, estar presente no mundo digital.
A discussão da política passou da orgânica vivência nas sedes partidárias para as redes sociais, dos jornais diários ou semanários e dos telejornais da hora do almoço ou jantar, para o mundo virtual.
Isto significa que os partidos políticos precisam de perceber que estamos numa sociedade digital em que já vivíamos, cada vez mais horizontalizada na sua comunicação, mas que ainda não a havíamos assumido. Os que não se capacitarem, serão vítimas do atropelo do progresso “video killed the radio star.”
O populismo, a demagogia, o desinteresse pelos partidos, os vícios públicos da sociedade, são causas e consequências, de um crescente afastamento das pessoas da política e dos partidos e têm contribuído para a abstenção. Porém as causas e as ideologias estão cada vez mais vivas e polarizadas nas redes sociais.
O CDS tem presença digital, mas não tem ressonância. Portanto e fruto da necessidade de introduzir ferramentas para criar um elo de ligação com o militante e com o eleitor, a Moção de Estratégia Global que apresento ao XXIXº Congresso do CDS-PP tem como proposta combater precisamente isto. Queremos transformar a mensagem e trazer para o presente o nosso partido. Tornar o CDS num verdadeiro partido popular, ligando-o ao eleitor por intermédio de uma comunicação moderna, descomplicada, multifacetada e bilateral. Apelando ao sentimento de pertença e coletividade através de uma comunicação que seja percetivelmente próxima e centrada nas pessoas, horizontal, permanente e digital. Não no partido, nem nos seus quadros, nem nas suas disputas à direção. Este mote é urgente.
Convirá perceber que a comunicação que funciona deixou também de ser unilateral, goza de ser pragmática e interativa, ouvir e responder, e os partidos precisam de compreender isto, sendo que alguns já entenderam, alicerçando a sua mensagem em planos claros, em memes, em mensagens sucintas, objetivas, e na interação e engajamento constantes.
Esta transformação comunicativa deve funcionar de forma síncrona nos vários campos a que se propõe mudar, pois só assim será coerente e contribuirá para a notabilidade própria do partido. Quero com isto dizer que esta estratégia de reabilitação comunicativa tem de ser alinhavada para funcionar em sinergia e não de forma intermitente e polarizada. Uma estratégia que carece de conter uma estrutura e mensagem assente de forma conjunta e não fragmentada; simples e não complicada; de solução e não de mera indicação.
Diz o segundo ponto da nossa carta de princípios: “O C.D.S. representa, simultaneamente, todos os portugueses que desejam para o nosso Pais um sistema democrático de vida capaz de conduzir à redução acelerada das desigualdades sociais existentes, a um rápido progresso económico e social e a uma ampla e efetiva participação de cada um nas diferentes manifestações da nossa vida coletiva.”
Isto implica evidentemente que o CDS não viva só de ruído mediático e crispação interna, que para isso democratize os seus estatutos e legitime as suas lideranças, de modo que não veja as redes sociais como campo de batalha interno com laivos de hooliganismo, mas sim como veículo de difusão de mensagens comuns. Mas isso, ficará para outro texto.
Como havia dito anteriormente, nos últimos anos o CDS tem feito um esforço para estar presente no mundo digital e nas redes sociais, porém, tem sido percecionado como um partido que prossegue voltado para as elites, para o confessionalismo, ultrapassado, fechado em si mesmo e vaidoso.
Embora nem todos os aspetos nesta listagem sejam justos, a verdade é que o CDS nunca empenhou um esforço devido (ou pelo menos competente) na tentativa de os desconstruir; quer na sua retórica, quer nos seus atos. Ou seja, o problema continua na mensagem. A sua mensagem visual nas redes sociais (semelhantes aos seus pares analógicos em outdoors e publicidade) tida como exemplo, são sempre voltadas para os quadros, para a teoria ideológica e para os chavões vazios; raramente para as causas, nunca para as pessoas. Um Partido que se queira designar como “popular” não pode cometer este erro, pois o que se deduz dessa comunicação é que o CDS se vê como um fim por si mesmo de apelo ao voto.
Vemo-lo também no vernáculo técnico-jurídico que é apanágio da nossa casa, que, como é óbvio, não ecoa com a pessoa comum. Não só não apela à emoção (um dos maiores motivadores de voto) como ao não ser inteligível desmotiva o putativo novo eleitorado e engajamento decorrente.
Nas redes sociais o CDS não é proativo nem criativo, apenas reativo. Opera permanentemente em modo de resposta nunca estabelecendo o tom ou tema de discussão. É assim tendencialmente atabalhoado e desconexo no que propõe, sendo que (não por excesso de autonomia, mas por falta de informação e formação), as estruturais locais e distritais são pouco harmoniosas, e pontualmente até belicistas entre si em “praça publica” digital. Não há nem mensagens comuns nem focadas em grupos/indivíduos e os canais funcionam só num sentido, não existindo interação.
Será imprescindível conhecer cada um destes públicos para saber como se lhe passa uma mensagem que neles reflita e que eles a consigam reproduzir. Para isso, há que corrigir o parco entendimento que algumas franjas do partido têm do país real, e da pessoa comum, compreendendo cada vez mais uma sociedade em transição de “homens organizados para mulheres flexíveis” – Manuel Castells.
Sendo estes grupos tão distintos não é uma tarefa fácil, mas comece-se por distinguir tópicos mobilizadores, é nesses que a mensagem despolarizada se deve basear. Nas expressões que nos tocam, mas não separam, e para perceber o que é isso, há que horizontalizar a comunicação, descomplicando a mensagem, digitalizando-a e tornando-a interativa, próxima da sociedade civil. Tornando a linha ténue entre militante e eleitor, não sendo elitista, mas agregador e de sinergias.
Há que ouvir dentro do partido aqueles que estão mais próximos do poder local, da sociedade real, do seu concelho, da sua freguesia, dos seus colegas e da sua família e daí sim, formular as soluções que parecerem convenientes e transmitir a mensagem. O tal “ouvir as bases”, aliado também a dar voz às suas causas e palco (digital ou físico) aos seus representantes.
Isto não significa abandonar bandeiras, nem mudar os valores ou as linhas do conservadorismo, da democracia cristã ou liberais, nada disso. Ninguém está a pedir outro “catch-all party”. O CDS sempre considerou desejável que na vida interna do partido conseguisse um palco de pluralidade de opinião e espaço para um debate livre e descomprometido, no plano das ideias e das crenças políticas. Como partido personalista e humanista, não pode estar limitado a uma corrente ideológica única e, como tal, deveria encarar com total naturalidade, maturidade e harmonia o convívio de diferentes correntes de pensamento político (em convergência com a sua matriz democrata-cristã fundadora). As ideias e os valores são sustentados por pessoas e essas pessoas precisam de se integrar neles, imbuir deles, para que os possam reproduzir. O CDS é o partido do centro, mas à direita por ser o partido da liberdade, das ideias, do personalismo. Isto significa que temos de ser uma casa democrática, mas de consensos. Uma direita de esperança, não a que nutre discurso negativo, discurso de ódio, mas do discurso que agrega e que une. Precisa quem ainda nos ouve de se tornarem eles próprios replicadores proactivos e repetidores na partilha dessa mensagem (de uma forma híper social), por saberem que toca também aos seus pares, que a mensagem é a sua.
O partido dos valores; o partido dos contribuintes; o partido da vida e da família; o partido das forças de segurança; o partido da liberdade; o partido que diz as verdades; o partido da oposição; o partido do interior: isto não são mensagens novas, mas estão a ser mal transmitidas pelo CDS, tanto que outros partidos carregam bandeiras, valores e ideais nossos na Assembleia da República. Já nós não estamos lá.
Precisamos de mensagens claras, assertivas, que se tornem virais, que se tornem elas próprias autónomas (mas rubricadas). São essas ideias a nova arma das causas políticas e da mobilização civil. É nessa transnversabilidade entre partido e eleitor que se encontram votos, e com votos se elevam debates, e de debates nascem convergências que produzem ideias e projetos, e por aí em diante num ciclo positivo, devolvendo o CDS às pessoas e as pessoas ao CDS.
O partido não foi construído para dividir e excluir, existe para unir e congregar. A digitalização e transformação, não só do partido como da mensagem é imperativa de modo a adaptar o CDS ao Sec. XXI, desde que (quando ameaças como a atual pandemia e a guerra surgem sobre as nossas vidas) sempre em direção ao insubstituível e humano abraço.