Deve ser muito difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido ou assistido a um dos inúmeros filmes que, todos de forma “diferente”, nos deram a conhecer a história daquele que é considerado “o rei da selva”. E não… Não estamos a falar do “rei leão”, mas sim do “homem macaco” que, não só conquistou o coração de Jane Parker, como colocou o mundo inteiro a falar do nadador olímpico Johnny Weissmuller, que protagonizou a produção, Tarzan, o Homem Macaco, lançada em 1932, nos EUA e um ano depois, em Portugal. Foi em 1912, há portanto 110 anos, que surgiu, publicado em fascículos, Tarzan of the Apes, o primeiro romance de Tarzan assinado por Edgar Rice Burroughs (1875-1950). Do papel, passou depois diversas vezes para as telas da sétima arte. Mas, mesmo 90 anos depois, o filme realizado por W. S. Van Dyke – primeiro dos 12 títulos protagonizados por Johnny Weissmuller (1904-1984) – continua a ser visto como o mais “importante” de todo o universo de Tarzan.
A verdade é que, antes de Weissmuller “migrar” das piscinas para o set de filmagens, já haviam sido realizados diversos filmes. De acordo com o canal de televisão belga RTBF, desde a criação do cinema, Tarzan foi o herói de cerca de cinquenta produções. A primeira, data de 1918, Tarzan Entre os Macacos, com Elmo Lincoln no papel principal. Lincoln também bilhou no filme seguinte, O Romance de Tarzan no mesmo ano. O último foi lançado no verão de 2016 e intitulado A Lenda de Tarzan. Na era muda foram produzidos quatro filmes e quatro séries com o herói; além de Lincoln, o “rei da selva” foi interpretado, entre outros, por Gene Pollar e James Pierce (genro do criador). Além disso, antes do lançamento em 1932, foi também realizada uma série, protagonizada pelo ator Frank Merrill, e também baseada no livro do norte-americano Edgar Rice Burroughs, apelidada Tarzan o Poderoso. Realizada por Jack Nelson e Ray Taylor, dividia-se em 15 capítulos e foi produzida e distribuída pela Universal Pictures, que veiculou nos cinemas americanos entre 29 de outubro de 1928 e 5 de fevereiro de 1929. A produção acabou por ter sequência e, em 1929, seria lançado o Tarzan o Tigre, estrelado, mais uma vez, pelo ginasta premiado.
O “casting” do atleta
A pergunta que se coloca é: o que aconteceu de diferente em 1932, para que o mundo finalmente “olhasse com atenção” para a história de aventura que decorre no meio da selva? Segundo o RTBF, O Homem Macaco, dessa altura, foi considerado diferente de todos os outros por “não ser burro”, como nas outras duas adaptações. Com Johnny Weissmuller, o personagem “começou a falar”, mas o seu criador, estava longe de imaginar que o seu Tarzan, se tornaria um dos heróis mais famosos da história de Hollywood. Weissmuller foi também responsável por emitir, pela primeira vez, o famoso grito de vitória de Tarzan. Esse grito, que seria reproduzido por todos os Tarzans seguintes, na verdade, não passava de uma “hábil mixagem dos sons de um barítono, uma soprano e de cães treinados”. Mas foi o suficiente para fazer com que Weissmüller se estabelecesse como o “genuíno” Tarzan. Mas como é que um atleta de alta competição abdica da carreira para se tornar ator? O seu físico prodigioso, com certeza, esteve a seu favor, até porque Tarzan também é conhecido pela sua pequena tanga, que foi sendo censurada ao longo dos anos. Segundo a La Vanguardia, com 24 anos, o nadador era musculado, com “ossos grandes” e as suas feições aproximavam-se das de um primata. “Nu era uma estrela!”’ , escrevia a imprensa internacional após a sua morte.
Considerado durante os anos 20 um dos melhores nadadores do mundo, durante a sua carreira desportiva, Weissmüller, ganhou cinco medalhas de ouro olímpicas e uma de bronze, ganhou 52 campeonatos nacionais americanos e estabeleceu um total de 67 recordes mundiais. A “porta” para o universo cinematográfico, abriu-se em 1929, quando o jovem atleta visitou o seu amigo Clark Gable, muitas vezes referido como “O Rei de Hollywood”, nos estúdios Metro Goldwyn Maye (MGM). Reza a lenda que alguém lhe sugeriu que fizesse o casting para o “rei da selva”. Questionado se era capaz de correr com uma mulher nos braços e subir a árvores, o jovem de 24 anos respondeu que sim, provando depois que os estúdios não podiam ter feito uma “melhor escolha”.
De desportista a ator
Johnny Weissmuller nasceu em 1904 em Timisoara, que hoje faz parte da Roménia, mas na época pertencia ao Império Austro-Húngaro. Quando tinha sete meses, imigrou com a sua família, de origem alemã, para os EUA e, aos 12, viu-se obrigado a abandonar a escola pública para trabalhar e ajudar a compor o ‘ordenado’ da família. O primeiro emprego foi como ‘paquete’ de hotel e depois como operador de elevador. Nas horas vagas, fazia aulas de natação, não imaginando que a sua vida começaria a mudar quando entrasse para a equipa da Associação Cristã de Juventude e, principalmente depois de conhecer o técnico “Big Bill” Bachrach, principal treinador do Illinois Athletic Club de Chicago, em 1920. Aos nove anos, contraiu poliomielite – infeção muito contagiosa causada pela ingestão de substâncias contaminadas – e o médico da família ofereceu-se para tratá-lo com natação intensiva. Johnny “mergulhou de cabeça” nesse desporto e, verdadeiramente dotado, não só curou a doença como se tornou num dos “melhores”.
Sob as ordens do treinador, Weissmuller preparou-se para o primeiro grande desafio da carreira: os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924. Na capital francesa, o nadador americano ganhou três medalhas de ouro ao vencer os 100 metros livres, os 400 metros livres e o revezamento 4 x 200 metros livres. Além disso, fez parte do equipa dos EUA de polo aquático, onde ganhou a medalha de bronze. Quatro anos depois, ganhou mais dois “ouros” em Amesterdão, ao conquistar o bicampeonato dos 100 metros livres e os 4 x 200 metros livros. Mais uma vez defendeu a seleção americana de polo aquático, que, no entanto, não chegou ao pódio ao terminar na quinta posição na Olimpíada holandesa. Em 1929, com 25 anos, deixa a natação competitiva, tendo sido durante 40 anos o maior medalhista da história da natação olímpica. Visto pelo seu físico atraente, de desportista, passou depois a modelo de roupa íntima. Contudo, quando o MGM o “agarrou”, impediu que este continuasse na moda.
Assim, em 1932, foi lançado Tarzan o Homem Macaco e o seu sucesso foi retumbante. Na época, a imprensa escrevia: “Sem dúvida que este rapaz ficará para sempre na nossa memória com os traços do personagem de Tarzan”. Em pouco tempo, o jovem atleta já era considerado “o rei da selva”, por não precisar de recorrer a duplos nas cenas onde escapava dos inimigos nadando no meio de crocodilos famintos, ou pelo simples facto de que este era muito mais rápido do que os animais com que contracenava. A sua primeira frase, dirigida à personagem criada por Burroughs para ser sua companheira, Jane, interpretada pela atriz Maureen O’Sullivan, também ficou célebre: “Mim, Tarzan. Tu, Jane”. Após salvar a “donzela”, esta consegue fazê-lo entender quem é. Tarzan toca-lhe no peito, repetindo o seu nome. O’Sullivan é outra imagem essencial deste universo durante o “reinado” de Weissmuller. A atriz participou em seis dos seus filmes. E a relação entre os personagens, fez com que os filmes conciliassem duas componentes essenciais para o início da “idade de ouro” de Hollywood: a ligação do par romântico e a forma como o cinema mostrou que seria possível encenar aventuras muito para lá da experiência do comum dos humanos.
Mas nem tudo corria bem. Segundo a La Vanguardia, Weissmuller, apaixonou-se por Maureen O’Sullivan, mas depois de perceber que esta era “imune aos seus encantos”, espalhou pelo “mundo” que o hálito da artista “era pior que o do seu inseparável companheiro no filme, o macaco Chita”. Além disso, o ex-atleta, “obrigou” os diretores a ordenar que os seus roteiristas criassem uma ‘metalinguagem’ para compensar a sua falta de memória e sua “dolorosa incapacidade de expressão”. Apesar disso, nos anos 40, Weissmuller encarnou outro personagem de sucesso: o aventureiro protagonista de Jim das Selvas, série feita inicialmente para o cinema, realizada para a Columbia entre 1948 e 1955, e posteriormente para a televisão. Fisicamente decadente, o ator retirou-se do cinema e da televisão na década de 60. Em 20 de janeiro de 1984, morreu de edema pulmonar em Acapulco, no México, onde vivia há sete anos com sua sexta esposa, a recuperar de uma trombose.
Depois de Weissmuller, ao longo das décadas, Lex Barker, Gordon Scott ou Christopher Lambert foram exemplos de atores que ganharam alguma fama graças à interpretação da personagem de Tarzan. No campo da animação, em 1999, foi lançado o filme Tarzan, com chancela dos estúdios Disney. Em 2016, a animação foi transposta para a realidade, em A Lenda de Tarzan. Mesmo tendo tido um grande impacto nas bilheteiras, e 90 anos depois, nenhum deles conquistou a dimensão lendária de Johnny Weissmuller. O criador da personagem, chegou mesmo a afirmar que Weissmüller era o “verdadeiro” Tarzan. Uma coisa é certa: há um Tarzan para todas as gerações.