por Sofia Aureliano
Sobrevivemos ao tempo da troika, vivemos os últimos dois anos em pandemia, e agora o mundo assiste à escalada de um conflito armado com potencial para se tornar global. Esperávamos que o pior já tivesse passado, mas a verdade é que os tempos que aí vêm não se afiguram famosos.
1. A inflação
A inflação subiu para 5,3% em março, o que significa que está no valor mais alto desde 1994. Ainda não existe informação estatística apurada sobre que produtos contribuíram para este aumento, mas sabe-se já que o preço dos alimentos e o dos combustíveis foi decisivo: no primeiro caso, a inflação dos produtos alimentares não transformados foi de 5.9% em março, e nos combustíveis disparou para 19,8%. São os estilhaços da guerra na Ucrânia.
Olhando para os números da inflação recorde das últimas décadas registados na Alemanha (+7.3%) e em Espanha (+9.8%), por exemplo, podemos antecipar que a subida não ficará por aqui. O efeito, que já se sente no dia-a-dia no bolso dos portugueses, será ainda mais expressivo. Cada ida ao supermercado representará um peso superior e sem aumento dos rendimentos, naturalmente, isto significa que cada um de nós verá o seu poder de compra reduzir.
De nada servirá que o governo garanta que há reservas de bens essenciais para evitar a escassez, se os portugueses não tiverem dinheiro para adquirir os mesmos bens, a preços mais elevados.
Costa diz que está disponível para tomar medidas ao nível do IVA, por exemplo, mas está a aguardar autorização de Bruxelas. Resta-nos saber se já fez o pedido (e não falamos apenas do IVA da energia), ou se espera que outros tenham a ideia. Afinal, os “bons alunos” seguem as diretrizes, não colocam problemas. E estar no top 5 da pedinchice não ajuda Costa na prossecução das suas pretensões europeias. As tais que, alegadamente, caíram por terra com a eleição por maioria absoluta. Veremos.
2. As taxas de juro
O Banco Central Europeu também está a tardar na reação ao aumento da inflação e, caso não adote medidas que mitiguem esse aumento, as taxas de juro vão disparar.
Há mais de um mês que Christine Lagarde confirmou que o BCE está pronto para assumir a responsabilidade de assegurar a estabilidade dos preços e financeira da zona euro, mas, até ao momento, ainda não é conhecido o plano de ação. Há a promessa de que será conhecido “no momento certo”. Não sabemos é qual é. Entretanto, podemos esperar, com segurança, consequências nefastas. Lagarde também já deixou essa garantia.
Contas feitas, também a prestação da casa de quem tem crédito à habitação (a maioria dos portugueses) vai representar uma fatia mais gorda do orçamento familiar.
3. Os combustíveis.
Merecem um ponto exclusivo. Infelizmente, não pelas melhores razões. Mas impõe-se a desconstrução da narrativa que o governo adotou há alguns anos e faz questão de reiterar, como se a memória estivesse perdida. Agora, tudo é culpa da guerra. E é fácil cair na armadinha de achar que o aumento dos combustíveis também é. Mas, neste caso, a culpa é toda do governo.
Quando Costa tomou posse, em 2015, a carga fiscal sobre os impostos especiais sobre o gasóleo era de 35,7 cêntimos por litro. Isto inclui o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), a taxa de carbono, a contribuição para o serviço rodoviário (CSR) e o IVA que incide sobre estes impostos. Não inclui o IVA sobre o preço do produto.
Em 2021, depois de seis anos de governação socialista e antes da guerra que serve agora de bode expiatório, a mesma carga fiscal representava 48,2 cêntimos. Ou seja, mais 35%.
Durante a sua governação, Costa aumentou o ISP (de 2,1 mil milhões de euros de receita em 2015 para um 3,3 mil milhões em 2020, sendo que 600 milhões correspondem à CSR que passou a estar incorporada no ISP em 2016). Para além disso, quintuplicou (+500%!) a taxa de carbono e, consequentemente, a receita de IVA sobre estes impostos também disparou.
Qualquer aumento de preço do petróleo traduz-se num aumento do preço do gasóleo ou da gasolina, representando um conveniente acréscimo de receita para o Estado, em IVA.
Enquanto o Estado ganha peso, os consumidores secam, definham e vêm adelgaçar as carteiras. Sobram umas migalhas do benemérito Costa, em jeito de IVAucher, para calar os tolos. Papas e bolos.
Vale a pena lembrar que quando, em fevereiro de 2016, o primeiro-ministro da palavra honrada aumentou o ISP em seis cêntimos por litro na gasolina e três cêntimos no gasóleo verde, disse que se tratava de um imperativo de neutralidade fiscal, para o Estado conseguir fazer face à evolução do preços e compensar a descida da receita do IVA. Prometeu, na mesma data, que o governo iria rever essa tributação se o preço do crude subisse. O preço subiu e – adivinhe-se! – o ISP manteve-se elevado. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. O facto é que sabe bem ter a receita do IVA a encher os cofres do Estado. Tanto que Costa se achou no direito de mandar a neutralidade às urtigas. Pelo menos, a dos contribuintes. Afinal, quem compensa o aumento da despesa em IVA que sai do bolso de cada um de nós?
4. A Lei de Murphy
Como que encurralados numa espiral obsidente da Lei de Murphy, as crises e as dificuldades acrescidas que delas advêm afetam sempre aqueles que são mais frágeis e já se encontram em contextos debilitados. É perfeitamente antecipável que aqueles que têm menor rendimento são os que irão sentir, de forma mais severa, abrupta e desequilibrada, cada cêntimo a menos no bolso. Também são, por isso, estes que devem ter maior atenção por parte do Estado, da sociedade, e das comunidades em que se inserem. Porque a solidariedade não se pratica exclusivamente em relação aos que vêm do exterior. Só conseguimos receber bem se estivermos bem. E os nossos não podem ser ignorados, cabendo-nos a responsabilidade de ver além da miopia mediática. Qual é a justiça de vislumbrar as necessidades do vizinho quando não tratamos com dignidade os de casa?