O comportamento de Will Smith nos Óscares foi comentado e duramente criticado pelo mundo fora. Ainda bem que atitudes destas não passam despercebidas, que têm consequências e não são vistas com bons olhos. É sinal de que o mundo ainda conserva uma ponta de discernimento.
Mas, por outro lado, poucos criticaram a piadinha de Chris Rock, igualmente deplorável. Alguns humoristas pensam ter – e de facto, é-lhes dada – uma certa impunidade que lhes permite dizer tudo o que querem e gozar com qualquer pessoa. Nos últimos tempos temos assistido a algumas piadas cruéis e ofensivas em relação a situações delicadas, e quem desaprova estes comportamentos é alvo de críticas, visto como bota de elástico e acusado de não ter sentido de humor.
Fico mal disposta quando ligo o rádio de manhã e ouço humoristas que se dedicam a analisar a vida dos outros, sempre atentos a algum deslize, para fazerem supostas piadas – que pelo menos a mim não despertam a menor vontade de rir – a partir das fragilidades ou percalços dos outros.
Os lesados podem até ser as pessoas com a maior dignidade e com os maiores feitos, mas à menor oportunidade, estes humoristas, que são umas espécie de abutres, aproveitam-se da sua desgraça, prendem-nos com as suas garras e esfarelam-nos miseravelmente procurando o riso fácil dos outros. É realmente simples. Uns constroem, outros destroem. E os segundos consideram-se, por isso, seres muito sofisticados, acima da imbecilidade dos outros.
O estalo e as palavras que Will Smith dirigiu a Chris Rock nos Óscares deveu-se não só à humilhação a que o humorista sujeitou a mulher do ator, mas sobretudo a este se ter juntado à plateia na gargalhada geral e aplausos que a piada suscitou.
A isto chama-se efeito de grupo, às vezes é difícil ter discernimento para reagir de forma diferente à da maioria das pessoas e naquele momento apenas Jada Pinkett Smith esmoreceu o sorriso que mantinha da piada anterior e revirou os olhos, mostrando total desagrado. Diria que só quando Will Smith viu a sua reação – momento que as objetivas não captaram – se apercebeu do despropósito da piada e fez tudo – demasiado – para mostrar o seu desagrado e se colocar do lado da mulher.
O que diria um professor se um aluno gozasse miseravelmente com a doença de outro numa sala de aula e a turma inteira se risse apesar do incómodo do aluno magoado? Será que o que estes humoristas fazem diariamente, este humor fácil e baixo, não é uma espécie de bullying, no sentido em que se aproveitam da fragilidade dos outros para os humilhar? Uma das poucas diferenças é não ser um comportamento repetido, embora alguns humoristas tenham alvos favoritos que ridicularizam com maior regularidade.
A questão nos Óscares não é de que lado nos colocamos, mas tentar entender o que ali se passou. Os dois comportamentos são reprováveis, mas enquanto um foi premeditado, era totalmente evitável e se baseou unicamente em ter a aprovação dos outros às custas do mal de um terceiro; o outro foi quase instintivo, foi um impulso genuíno e não pensado, com o objetivo único de defender alguém de quem se gosta de uma provocação, após o qual houve uma reflexão e um pedido de desculpas formal.
Que eu saiba, Chris Rock não pediu desculpas a ninguém por ter exposto a fragilidade da colega perante o público e o mundo inteiro, só para obter uma gargalhada fácil de segundos. Há uma espécie de conivência com este tipo de humor que não só torna permitido e natural que ele se desenrole sem limitações, mas que se realizem programas de rádio e de televisão que têm como único objetivo rir às custas dos outros. E depois criticamos os meninos da escola que gozam com os colegas, quando no mundo dos adultos há quem ganhe a vida, com a conivência de todos, à custa disso.